Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 24 de setembro de 2013

Elysium (2013): ficção científica social peca por seus extremos

Tecnicamente impressionante e com uma história contada em um ritmo forte, este segundo trabalho do sul-africano Neil Blomkamp escorrega apenas em não explorar mais o seu mundo, focando de maneira quase melodramática na questão da desigualdade social sem encaixá-la de maneira mais orgânica aos arcos dos personagens.

8375-Elysium cartazDurante a sessão deste “Elysium”, uma fala de “A Doce Vida”, fita de Fellini lançada em 1960, ficou rodeando a minha cabeça: “Mesmo a vida mais miserável é melhor que uma existência protegida em uma sociedade onde tudo é calculado e perfeito”. Pois bem, a sociedade elitista e pseudo utópica que dá título ao segundo longa do cineasta sul-africano Neil Blomkamp é, de fato, menos explorada e interessante que sua visão do futuro da Terra, mas o diretor faz pouco para explicar a visão idealizada feita pelo protagonista em relação ao seu sonho de viver lá.

Escrito e dirigido por Blomkamp, com um orçamento bem mais gordo que aquele em seu bem-sucedido trabalho de estreia – o fabuloso “Distrito 9” – “Elysium” usa do melhor expediente que a ficção científica possui, que é apontar um espelho para a sociedade e extrapolar o reflexo para apontar suas falhas. No entanto, se Blomkamp utilizou esse artifício de maneira perfeita anteriormente, aqui ele erra um pouco a mão, mas não o suficiente para prejudicar de maneira irremediável esse seu novo esforço cinematográfico.

Na trama, após a superpopulação, poluição e doenças deixarem a Terra em um estado crítico, os ricos e poderosos abandonam o planeta e vão para a estação espacial Elysium, um paraíso privativo onde seus habitantes aproveitam confortavelmente o melhor que a tecnologia pode lhes oferecer, incluindo acesso a tecnologias médicas que erradicam doenças e fraturas em questão de segundos. Enquanto isso, o berço da humanidade transformou-se em uma imensa favela, suja e densamente povoada pela “ralé”, usada pela elite como mão de obra na manufatura de robôs e bens de serviço para a minoria privilegiada.

Sim, o cenário pintado por Blomkamp é uma versão futurista daquele que vivemos, com a estação espacial servindo como um gigantesco e paradisíaco (daí o nome, que faz referência aos Campos Elísios do mito grego) condomínio fechado orbital, protegendo seus habitantes do contato com a população geral, suja, sem educação ou opções na vida a não ser servir. Mas nada adianta esse ponto de fundo sem um arco dramático ou personagens interessantes para fazer com que o público se importe com tal desigualdade.

Entra então Max da Costa (Matt Damon), ex-ladrão de carros que agora tenta viver honestamente trabalhando na linha de montagem de uma fábrica que constrói robôs. Max trabalha para seres humanos robotizados pelos seus superiores hierárquicos e tem de responder respeitosamente às imitações baratas de autoridade vindas dos autômatos deixados pelos ricos para cuidar da ralé planetária.

Quando um acidente de trabalho deixa Max com apenas cinco dias de vida, ele se desespera e procura o coiote Spider (Wagner Moura) para que consiga entrar clandestinamente em Elysium, onde a tecnologia médica pode curá-lo em meros segundos. Essa cadeia de eventos interfere nos planos da segregadora chefe de segurança da estação, a fria Delacourt (Jodie Foster), que coloca o seu sociopata cão de guarda Kruger (Sharlto Copley) no encalço de Max, com o destino de Elysium e da Terra na balança.

Matt Damon é um ator que encarna de maneira segura papéis de homens comuns e representa bem a classe de “blue collars”, os trabalhadores braçais que sustentam o sistema para aqueles no poder (e não deixa de ser apropriado que o protagonista trabalhe construindo os mesmos robôs que exercem “autoridade” sobre ele). Damon faz com que o desespero de Max para não morrer seja palpável, dando razão à sua jornada, sendo interessante notar que um homem que só quer ser viver sua vida seja perseguido por ativistas socialistas, capitalistas e anarquistas para ser usado como ferramenta de mudança.

O mesmo não pode ser dito do arco da personagem de Alice Braga, Frey. Velha amiga de Max, ela ressurge do nada na vida do rapaz com uma filha sofrendo de leucemia que também precisa da ajuda médica de Elysium. Por mais que a atriz não comprometa, seu papel não funciona, servindo apenas para adicionar um desnecessário componente melodramático à narrativa. Há ainda um inútil flashback de Max e Frey crianças, com ele prometendo a amiga levá-la para morar em Elysium algum dia.

Quem realmente roubam o filme são Wagner Moura e Sharlto Copley. Moura, em seu primeiro papel em uma produção hollywoodiana, compõe um personagem cheio de nuances em uma interpretação com o tom certo de exagero para conquistar o público sem aliená-lo. Seu Spider, mesmo lucrando com o sonho alheio de ida do inferno ao paraíso, ainda tem certa dignidade dentro de si e, ao ver uma chance de mudar o mundo, a abraça (mesmo que o roteiro não explique muito bem suas motivações para seus atos mais abnegados).

Já Copley conquista pelo desprendimento quase absoluto a qualquer tipo de moral que seu Kruger apresenta, com o ator se divertindo horrores ao interpretar esse verdadeiro monstro sociopata, o que o torna absolutamente irresistível toda vez que entra em cena. O mesmo não pode ser dito de Jodie Foster, que deixa a frieza de sua Delacourt se confundir com apatia – algo imperdoável em uma mulher capaz de explodir quarenta civis desarmados sem pestanejar. Louve-se também a participação do carismático Diego Luna, que usa muito bem seu pouco tempo de tela como o antigo parceiro de Max no mundo do crime.

Visualmente, o filme é quase que irrepreensível. O design mecânico dos robôs combina, ao mesmo tempo, com suas funções e com o absurdo de suas existências. O imenso “favelão” terrestre dialoga com as “comunidades” tão comuns aos grandes centros urbanos do nosso mundo.

É impossível deixar de notar que a Terra é fotografada em tons mais quentes e agradáveis que a monocromática Elysuim. Também foi um toque interessante por parte de Blomkamp mostrar que o idioma espanhol misturado com o inglês prevalece na Terra, enquanto o “paraíso” tende para o francês – algo que remete ao filme “Sem Notícias de Deus” (onde o céu era francófono, só se falava inglês no inferno e espanhol na Terra).

O esmero que sobrou na parte visual faltou para retocar o roteiro. Mesmo com dezenas de conceitos interessantíssimos, faltou sutileza e tons de cinza e sobrou maniqueísmo na construção do script. Pouco conhecemos da própria Elysium e de seus habitantes – fora seu gosto pela língua francesa – ou os motivos para privar os desprivilegiados de tratamento médico são explanados.

Nem mesmo os cotidianos das populações desses mundos diversos são expostos devidamente, com o diretor se contentando apenas em mostrar os extremos. Tais elementos poderiam expandir as discussões propostas pelo filme que ficaram apenas na superfície. Blomkamp ficou longe de fracassar nesta sua segunda empreitada, mas também não mostrou o mesmo talento subversivo exibido em sua obra de estreia.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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