Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 30 de julho de 2013

Wolverine – Imortal (2013): o lado vulnerável do guerreiro invencível

Mesmo sofrendo com um último terço completamente deslocado do restante do filme, a sequência é uma aventura sólida, que lida de modo atípico com as angústias de seu protagonista.

De pronto, um alento: “Wolverine – Imortal” é fartamente superior ao seu predecessor, “X-Men Origens – Wolverine”, sendo muito mais fiel ao personagem que a produção lançada em 2009. O longa comandado pelo competente James Mangold nos mostra o herói mutante após os eventos traumáticos de “X-Men – O Confronto Final”, onde Logan (Hugh Jackman) fora obrigado a matar sua amada Jean Grey (Famke Janssen) que, descontrolada, ameaçava destruir o mundo.

Escrita por Mark Bomback (“Duro de Matar 4.0”) e Scott Frank (“O Vigia”), com parcial inspiração na HQ “Eu, Wolverine”, de Chris Claremont e Frank Miller, a história mostra Wolverine algum tempo após a morte de Jean e do Professor Xavier. Dois séculos de perdas, lutas e sangue finalmente cobraram o seu preço e o outrora feroz guerreiro tornou-se um eremita, assombrado pelo seu passado violento, vivendo em meio à floresta e evitando o contato com outras pessoas, determinado a nunca mais machucar algém.

Isso até que a jovem vidente Yukio (Rila Fukushima) o procura, a mando do moribundo milionário Yashida (Hal Yamanouchi), cuja vida fora salva por Logan durante a Segunda Guerra Mundial. No Japão, Yashida propõe a Logan que lhe dê a sua virtual imortalidade, o que o tornaria um homem relativamente comum. Mesmo com a oferta recusada, Wolverine vê sua capacidade regenerativa abalada pela perigosa Víbora (Svetlana Khodchenkova), justamente quando a neta de seu anfitrião, a bela Mariko (Tao Okamoto), se vê ameaçada pela Yakuza e pelo misterioso Clã das Sombras.

Assim como o preconceito racial foi o “inimigo real” enfrentado pelos X-Men na trilogia clássica, aqui Wolverine se mostra vítima do transtorno de estresse pós-traumático, com essa condição “encarnada” na figura de Jean Grey, que lhe atormenta constantemente. A questão do ódio aos mutantes é menos presente no Japão, país que aparentemente abraça com maior facilidade essa condição, mas que, ao mesmo tempo, rechaça a presença de Logan por este ser um ocidental alheio aos costumes locais, em uma interessante dicotomia.

Ao mesmo tempo, a vulnerabilidade física do protagonista espelha sua fragilidade psicológica. Wolverine se mostra em busca de uma razão para continuar existindo, um motivo para sair das sombras de sua “condição” e voltar a lutar, encontrando isso na sua amizade com a valente Yukio e nos braços de Mariko, em um relacionamento que lembra um pouco o do casal Han Solo/Princesa Leia na trilogia “Star Wars” original, especialmente nos diálogos entre o problemático guerreiro e a bela e pragmática aristocrata.

Vivendo o personagem pela sexta vez, já mais que acostumado com sua pele e tendo bastante material dramático com que trabalhar, Hugh Jackman nos dá sua melhor interpretação como Wolverine até o momento, tanto nos momentos mais selvagens, quanto naqueles mais introspectivos, como na cena do urso moribundo, que também funciona como uma bela homenagem à graphic novel original.

Muito disso se deve à sua ótima química com a jovem Rila Fukushima, grande revelação do filme, com a atriz vivendo sua Yukio como uma guerreira jovial, em um contraponto direto ao peso que Logan carrega em suas costas. Além disso, o visual extrovertido da sua personagem, tal qual uma personagem de anime, faz uma estranha conexão entre o Japão antigo e o moderno, que ressalta ainda mais a importância do cenário para a trama.

Enquanto isso, Tao Okamoto empresta um ar solene a Mariko Yashida, o que contrasta com os modos mais rudes de Logan. O par romântico formado pelos dois funciona no melhor estilo “os opostos se atraem” e, mesmo com o relacionamento se desenvolvendo meio que no tranco, ele funciona por compreendermos os momentos delicados em que ambos se encontram, precisando desesperadamente de alguém.

As relações do herói consigo e com as duas mulheres da casa Yashida são o centro dramático do filme, mas que o público não espere um tratado emocional no lugar de um filme de ação. As cenas de luta (que começam a surgir somente após a primeira meia hora de projeção) são bastante eficazes e mais brutais que nos outros filmes da franquia “X-Men”, embora bastante entrecortadas, algo que prejudica especialmente a perseguição nas ruas de Tóquio e o confronto na neve de Wolverine contra os ninjas do Clã das Sombras. Isso se deve à imposição do estúdio em manter uma censura 12 anos, algo complicado quando as armas principais do herói são garras, o que deve ter dado muito trabalho ao diretor James Mangold e seu montador (uma versão sem cortes já foi anunciada para o mercado de home-vídeo, diga-se).

Filmado na Austrália, os ambientes do longa são extremamente fiéis à arquitetura japonesa, sendo também impressionante para um blockbuster hollywoodiano que os personagens japoneses realmente falem japonês, mostrando o quanto Mangold compreendeu a importância da sensação de deslocamento do protagonista era relevante para o roteiro. A boa trilha sonora de Marco Beltrami é influenciada pelo estado melancólico do protagonista, mesmo em seus momentos mais movimentados, e mostra-se condizente com a película.

É uma pena que, em seu último terço, a produção resolva abraçar um tom mais fantasioso que não combina com o que fora visto no restante da fita, com a presença de um Samurai de Prata alterado em relação à sua contraparte dos quadrinhos e da vilã Víbora, cuja figura “exótica” também não se encaixa muito bem com a proposta mais intimista da produção.

Aliás, os problemas mais graves da trama estão concentrados nas ações dos vilões nesta parte final, com viradas de roteiro esdrúxulas baseadas em motivações sem sentido. O trabalho sóbrio de Hiroyuki Sanada, que vive o inescrupuloso Shingen de modo ameaçador, acaba eclipsado pelas performances mais exageradas do gigante prateado e da Víbora cientista/niilista/capitalista esverdeada interpretada por uma perdida Svetlana Khodchenkova (que pôde ser vista em seu ambiente natural em “O Espião Que Sabia Demais”).

Apesar disso, “Wolverine – Imortal” devolve seu herói ao caminho certo e se encerra de maneira inteligente, deixando o caminho aberto tanto para novas aventuras de Logan, quanto para o seu retorno aos filhos do átomo no vindouro “X-Men – Dias de um Futuro Esquecido”.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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