Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 30 de julho de 2013

Augustine (2012): estreante entrega nova viagem à historia da mente humana

Longa de estreia de Alice Winocour tem resolução abrupta e buracos em sua temática principal que, entretanto, não apagam o forte trabalho de som, fotografia e ótimas atuações.

21009925_20130603163151161.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxNo século XIX a palavra “histeria” estava em grande voga. Em comparação chula com a conhecida “virose”, por ser tão diagnosticada quanto, a complexa neurose que levou inúmeras mulheres a serem acusadas de bruxas na Idade Média e que traçou seus destinos à fogueira estava dentre os principais mistérios científicos da época. E por falta de um maior esclarecimento, as pacientes histéricas (o distúrbio não é exclusivo das mulheres, mas predominante nelas) muitas vezes eram ridicularizadas e tratadas como exageradas e fingidas.

Dentro deste contexto, o professor e brilhante neurologista francês Jean-Martin Charcot iniciava seus estudos sobre a doença, que iriam ser futuramente aprimorados por seu mais famoso aluno: Sigmund Freud, culminando no desenvolvimento da psicanálise. Mas é justamente em um dos casos do mestre menos famoso (mas igualmente importante) e não no ilustre discípulo que se concentra “Augustine”, produção francesa dirigida e roteirizada pela estreante Alice Winocour.

Carregando o nome da protagonista, o longa se concentra na condição de Augustine Gleizes e em sua relação com Charcot (Soko e Vincent Lindon, respectivamente). Copeira, analfabeta e de origem camponesa, aos 19 anos ela tem sua primeira grande crise histérica na casa em que trabalhava. Retratada de maneira crua e impactante, como se fôssemos testemunhas, acompanhamos suas convulsões de um ângulo superior na cena onde os sons diegéticos de seus gemidos e do debater de seu corpo são valorizados.

Aliás, o trabalho de som do filme torna-se interessante em alguns pontos, destacando-se ainda nesta mesma sequência os momentos que antecedem a crise, quando, carregando uma bandeja com mãos trêmulas, a personagem principal provoca o som dos copos e pratos trepidando sobre a prata que, mixado de maneira engenhosa, provocavam tensão ao evocar o ruir de uma estrutura, no caso, a própria mente. Além disso, a mixagem contribui para anteceder cada colapso de maneira mais imersa, alternando entre um volume considerável, mesmo para sons muito discretos e um curto período abafado dando sensação de instabilidade.

Após tal crise, Augustine apresenta sequelas, como a falta de sensibilidade e o fechamento do olho direito, e é encaminhada para o hospital Salpêtriére. Repleto de casos de histeria, a princípio sem solução, a jovem passa seus dias esperando uma prometida cura, até que ganha atenção do severo Jean Charcot, principal pesquisador do hospital. Um ambiente opressor, o hospital é representado em uma fotografia escura e granulada, que prioriza planos mais fechados e tomadas internas.  Tais escolhas simbólicas  são representativos da posição submissa do paciente em sua relação com o médico e da próprio status social da mulher no período, reforçados ainda pela montagem ao incluir como criativo recurso de elipse temporal uma série de mulheres relatando seus sintomas e experiências, ratificando a ideia constante de sua perspectiva como espécime.

E de submissão regida pelo conhecimento até uma quase dependência, passa a relação do doutor com sua paciente, a última ávida por uma solução enquanto o primeiro enxerga nela uma possibilidade de maior reconhecimento e financiamento para o desenvolvimento de suas pesquisas. Em grandes atuações, sem longos diálogos, mas cheios de pequenos movimentos ou discretos olhares, Lindon encarna um homem austero e obsessivo por estudos, enquanto a cantora pop Soko sutilmente interpreta as nuances de uma jovem reprimida que aos poucos cria consciência do meio em que se insere e de sua ligação com o cientista.

Entretanto, é justamente em seu foco que o longa encontra sua fraqueza. O desenvolvimento da interação entre os personagens não convence se analisado durante toda a progressão narrativa. Sim, há ali uma tensão sexual presente, mas trabalhada em poucas cenas, como a de um momento de descontração com um macaco, que leva a um final abrupto e artificial, onde paira no ar a sensação de que não houve tempo suficiente para a resolução plena do problema que impulsiona a trama. O desfecho ainda conta com metáforas gastas como a inserção da cor vermelha no figurino vestido por Soko e sua relação com menstruação, adolescência e os impulsos sexuais da fase.

Mesmo ao pecar em uma abordagem insuficientemente esclarecedora sobre a evolução e destino de suas principais personagens, “Augustine” ainda é um bom filme de estreia para a diretora Alice Winocour, que se mostra bastante equilibrada. Surpreendendo pelas ótimas atuações e por uma fotografia e som que marcam sua contribuição, a narrativa retoma de maneira parecida a temática já visitada em “Um Método Perigoso” de David Cronenberg.

Mateus Almeida
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