Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 09 de julho de 2013

A Bela que Dorme (2012): boa premissa se perde por falta de foco

Desperdiçando uma oportunidade de refletir sobre a temática da eutanásia, longa italiano se desenvolve entre diversas perspectivas, todas, porém, vazias.

20307569.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxEm 1992, na Itália, Eluana Englaro, de 38 anos, sofreu um acidente de carro que resultou em um estado de coma que não teria recuperação. Sem apresentar avanços, sua condição estagnada deu início à batalha judicial de seus pais pelo direito de desligar os aparelhos que a mantinham viva. Após 17 anos de processo, em fevereiro de 2009, Eluana morre incitando uma questão sobre o direito de vida e morte e a prática da eutanásia. Conflitando opiniões em um país tradicionalmente católico, o caso de Englaro serve como eixo condutor para “A Bela que Dorme”, novo longa do diretor Marco Bellochio (“Vincere”).

Vigésimo quinto trabalho do diretor em uma carreira de mais de 40 anos, o filme capta o momento do ápice da discussão sobre o direito de morte, quando manifestações expressando diversas opiniões se desdobravam em meio à crise econômica pela qual a Itália passava. Utilizando uma estrutura narrativa menos comum de seguir diferentes histórias e personagens que se conectam pela temática principal da trama, o diretor nos coloca em quatro linhas de situações diferentes: a de um senador de esquerda cujos princípios divergem das diretrizes de seu partido e das convicções da própria filha, que rege a segunda linha, acompanhando seu envolvimento com um jovem a favor da eutanásia; a de uma famosa atriz que abandona sua carreira gloriosa para cuidar de sua filha, em estado vegetativo, e a de uma viciada em drogas que tenta suicídio e é amparada por um médico idealista que a tenta convencer do valor da vida.

Apesar de conseguir intercalar as quatro guias fundamentais de maneira simples e clara, o roteiro segue um ritmo arrastado, que prejudica todo o desenvolvimento do longa. Com cenas repetitivas (o exagero de vezes em que um iPhone entra em detalhe quase sugere que a Apple subsidiou a produção) que poderiam ser solucionadas facilmente por uma direção mais inventiva, e mesmo uma situação inteira que não se encaixa bem na trama, como o romance insosso e forçado entre Maria e Roberto (a exagerada Alba Rohrwacher e o apagado Michele Riondino), a lentidão do filme pode arrancar suspiros de monotonia.

Adotando uma atitude bastante política de não pronunciar diretamente as opiniões de seu realizador sobre a eutanásia, diferentes pontos de vista podem ser interpretados no desenvolvimento do script, do mais religioso ao médico-científico, passando pela burocracia dos interesses políticos. Entretanto, a fagulha acesa para essa discussão não se encorpa, já que todas as perspectivas apresentadas não são desenvolvidas e mesmo as metáforas utilizadas tornam-se, por vezes, óbvias e sem nada a acrescentar, como o beijo que desperta a Bela Adormecida para a vida, ou uma janela, que iluminada por um farol de carro, desenha uma cruz que se apaga do rosto do senador enquanto sua filha católica discorda dele.

De modo geral e inesperado, as linhas narrativas que mais despertam atenção são justamente as de menor tempo em tela: as que se focam na atriz e no médico, respectivamente. A primeira, interpretada por Isabelle Huppert, toma os holofotes da projeção, sempre com um olhar perdido, quase autoindulgente, emociona ao descrever a um padre o motivo de seu falso apego a fé. Por outro lado, a relação que se desenvolve entre o Dr. Pallido (Pier Giorgio Bellochio) e a suicida Rossa (Maya Sansa) conduz a discussão para um lado mais poético  ao relacionar o fim da vida a uma desilusão mais ligada ao psicológico do que a uma condição do corpo em si.

A fotografia utiliza frequentemente a escuridão e abusa do efeito de contraluz para ressaltar o clima depressivo da temática abordada, além de reduzir a profundidade de campo na grande maioria dos planos, reproduzindo a solidão e o peso da decisão a ser tomada nos casos de eutanásia. Enquanto isso, uma montagem truncada, com cortes artificiais e robóticos, torna difícil uma apreciação maior dos diálogos e reações dos personagens, que mal terminam uma fala e já somem do quadro.

No fim, perdendo a oportunidade de restabelecer uma interessante discussão sob diversos pontos de vista, “A Bela que Dorme” não consegue manter o foco em sua própria temática e desenvolvê-la de modo satisfatório, tornando seu andamento tedioso e seu propósito vazio de maiores sentidos.

Obs.: Vale mencionar que, ainda sobre o mesmo tema, o espanhol “Mar Adentro” (2004) é muito superior em forma e execução.

Mateus Almeida
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