Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 23 de junho de 2013

Universidade Monstros (2013): uma prequência que faz jus ao original

A Disney/Pixar leva o público de volta a Monstrópolis, usando as clássicas comédias universitárias dos anos 1980 como referência para contar a origem da amizade entre Mike e Sully.

Não é um exagero dizer que “Monstros S.A.” é um dos mais queridos filmes da parceria Disney/Pixar. A despeito do conceito criativo e do inventivo mundo criado naquela produção, foi a ternura da improvável amizade entre o grandalhão peludo e gente boa Sully, o olhudo verde e neurótico Mike e a inocente garotinha Bu que conquistou o público. O fato daquele longa ter se encerrado em um reencontro entre os simpáticos monstros e Bu deixou um belo gancho para ser aproveitado em uma eventual continuação.

O problema é que, apesar de as produtoras quererem voltar àquele mundo e claramente haver um público ávido por mais aventuras em Monstrópolis, como os realizadores iriam retomar a relação entre a menina e seus amigos do outro lado do armário de modo satisfatório? Ora, justamente por conta de ter um final em aberto, cada fã imaginou de um modo diferente o que aconteceu com Bu, Sully e Mike depois que os monstros pararam de assustar crianças e começaram a diverti-las.

Com esse problema em mãos, o trio de roteiristas, formado por Robert L. Baird e Daniel Gerson e pelo diretor Dan Scanlon, teve a ideia de voltar ao passado dos monstros e contar como Mike e Sully se conheceram, tendo como paradigma o clássico oitentista “A Vingança dos Nerds”. Assim nasceu este “Universidade Monstros” que, desta vez, coloca Mike como centro das atenções (ao menos do ponto de vista da narrativa).

Ao contrário do que poderíamos pensar anteriormente, a dupla nem sempre foi inseparável. Ambos cursando a universidade para tornarem-se assustadores, o esforçado e estudioso Mike detestava Sully, que contava apenas com seu visual e sobrenome famoso para subir na vida. Quando a rixa entre eles coloca em risco os sonhos e futuros acadêmicos dos dois, eles se veem obrigados a juntar forças com a fraternidade Ozma Kappa, um grupo de excluídos, para provarem, em uma assombrosa competição, que são monstros assustadores.

Enquanto no longa original a equipe do diretor Pete Docter teve de se virar para inferir um mundo imenso sem ter condições técnicas de mostrar muito dele, aqui os seus sucessores, capitaneados por Dan Scanlon, puderam capturar todos os detalhes do universo monstruoso, mesmo contando uma história bem mais íntima. Claramente baseada nos campi de universidades americanas de elite (as chamas Ivy League), a Universidade Monstros impressiona, sendo concebida para abrigar cada tipo de criatura que as mentes férteis de seus realizadores conceberam.

Os detalhes dos personagens são extremamente bem definidos (reparem especialmente na musculatura ocular de Mike e na pelugem de Sullivan) e é interessante notar como Scanlon e seus colaboradores retratam os humanos que surgem no terço final da produção com uma estranheza quase que alienígena, ressaltando quem são os verdadeiros donos da película.

Mas se há uma lição que a Disney/Pixar aprendeu com ”Carros 2” é que manter seu padrão de excelência visual sem um bom roteiro resulta em produções superficialmente lindas, mas sem conteúdo, vazias. E isso é algo que não pode ser dito de “Universidade Monstros”. Por trás de todas as set pieces (aquelas cenas de ação mais elaboradas e longas, como as que envolvem as provas da competição), piadas e referências a filmes universitários, há um conflito emocional complexo envolvendo Mike e Sully.

Não me entendam mal, o filme é realmente engraçado e sempre surpreende com ótimas gags. Mas o arco narrativo de autodescoberta e posterior aceitação de si de Mike é o sustentáculo do script e dá uma profundidade muito maior à produção, afastando-a de outras com temas similares, como o medíocre “A Fuga do Planeta Terra”.

Mike sempre sonhou em ser o maior assustador do mundo, mas aos poucos percebe que este não é o seu papel. Ele nasceu para ser Merlin, não o Rei Arthur, devendo guiar outro ao destino que achava ser dele. Por sua vez, o arrogante Sully também deve abraçar uma humildade antes por ele desconhecida e aceitar ser guiado por seu amiguinho verde.

Essas versões mais jovens dos personagens evoluem aos poucos para se tornarem aquelas figuras que já conhecemos e amamos, em um processo que se torna divertido de acompanhar até por que o público já sabe qual será o destino daquelas figuras.

Enquanto o longa faz diversos links com o original, subvertendo as expectativas da audiência sempre que possível, ele se sustenta muito bem como uma história fechada, com seu satisfatório final se ligando de maneira perfeita com “Monstros S.A.”, o que tornará a experiência de futuras maratonas deveras gratificante. É muito bom ver a Disney/Pixar voltando aos eixos com este ótimo longa que, mesmo não entrando para a lista de clássicos da parceria, diverte bastante, fazendo rir e pensar ao mesmo tempo.

P.s.: Como de costume, a fita é precedida por um curta-metragem animado, o belo e tocante “O Guarda-Chuva Azul”. Se o 3D da atração principal é deveras supérfluo (o que faz sentido, pois seu protagonista monocular jamais poderia ver o filme deste modo), aqui a tecnologia acrescenta bastante à narrativa, sendo recomendado conferi-lo no formato.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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