Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 21 de junho de 2013

Juan dos Mortos (2011): crítica e humor dão tom ao diferente ataque zumbi

Um grito de protesto da população cubana, longa diverte e reflete sobre a situação político e econômica de um país cujo antigo regime ainda deixa marcas.

JuanFilme de zumbis. Ok, nós já vimos isso antes: um vírus ou um incidente sobrenatural desperta os mortos que passam a andar pela cidade em grupos, de maneira lenta e e com fome de massa encefálica dos inocentes transeuntes de uma ilha comunista. Ilha comunista? Sim, em 2011 a praga de mortos-vivos finalmente deixa os grandes centros urbanos americanos e europeus para chegar ao fechado regime da república de Fidel Castro.

“Juan dos Mortos”, uma parceria hispano-cubana com direção e roteiro do argentino Alejandro Brugués (“Personal Belongings”), acompanha Juan e seu amigo Lázaro (respectivamente Alexis Días de Villegas e Jorge Molina, com grande timing cômico), dois vagabundos ou “sobreviventes”, como se denomina o próprio protagonista, liderando um grupo de pessoas durante o horror que devasta la isla bonita. Ao subverter o conceito de sobrevivência, o grupo transforma a eliminação dos zumbis em um meio de vida: “Eliminamos seus entes queridos”, oferece o slogan da nova proposta de empresa, enquanto seus funcionários buscam melhorar sua situação.

Com um tom que mistura crítica social e humor, o filme despeja inúmeras alfinetadas ao comunismo cubano permeadas de piadas e situações de gargalhar. Da justificativa ao ataque dos mortos variando de “dissidência influenciada pelos americanos” a produto de remédios vencidos distribuídos pelo sistema de saúde, até o design de produção que faz questão de mostrar prédios e apartamentos bastante mal acabados, cada setor da economia e política é alvo do olhar cômico e analítico do longa.

Com clara influência de “Todo Mundo Quase Morto”, o script usa e abusa dos clichês do subgênero, como a utilização de materiais inusitados como armas para a matança das criaturas ou o diálogo em que se discute a causa da infestação. Esta última, uma cena hilária mostra Juan e Lázaro testando alhos e crucifixos como melhor alternativa de extermínio, sem a menor ideia da origem daqueles seres já enraizados na cultura pop, já que são frutos de uma mídia repressiva sem a influência de outros países.

E se Villegas e Molina funcionam como contrapartes latinas de Simon Pegg e Nick Frost em ótima interação, somente o protagonista e sua filha (a lindíssima Andrea Duro) possuem desenvolvimento e profundidade como personagens e em sua relação. Apenas como apoio para piadas ou fontes de sangue para mortes não tão interessantes, o resto do elenco apresenta-se como estereótipos mal trabalhados e descartáveis ao longo da narrativa, apesar da figura da blogueira alternativa que representa outra interessante adaptação à situação atual da informação no país. Esta superficialidade e a repetição no propósito das cenas causam uma quebra de ritmo apresentando momentos desnecessários (a dança com algemas chega a provocar tédio), cujo propósito parece apenas reduzir o número de personagens.

Construída com versões afro-cubanas de temas musicais genéricos de suspense, comédia e horror, a trilha sonora conduz o espectador de maneira excessivamente didática à atmosfera da sequência na qual se insere. Uma maquiagem muito bem trabalhada realmente nos faz acreditar no aspecto decrépito dos cadáveres andantes e até a evidente inexperiência da equipe de efeitos visuais se adequa à atmosfera trash da projeção e supera expectativas ao fazer referência às câmeras lentas dos filmes de ação e às incríveis coreografias com cabos dos clássicos de artes marciais.

Surpreendendo dentro do curto orçamento de US$ 2,3 milhões subsidiados em parte pelo governo cubano, “Juan dos Mortos” atesta com boas piadas e crítica social a força do pouco conhecido cinema da região. Mesmo com problemas de ritmo e roteiro falho, a produção diverte e nos faz considerar o grito de uma população que ainda é orgulhosa, mas não encontra “la plata” para enfrentar criaturas sobrenaturais ou para sustentar sua economia. Quando George Romero representou há 40 anos a população americana culturalmente inerte em seus zumbis, não achou que seu sucesso fosse ecoar em Cuba, onde os zumbis são, na verdade, os oprimidos.

Mateus Almeida
@

Compartilhe

Saiba mais sobre