Cinema com Rapadura

Críticas   domingo, 16 de junho de 2013

A Filha do Pai (2011): uma história que cativa pela simplicidade

Drama francês marca estreia de Daniel Auteuil na direção, apresentando uma narrativa autêntica e revigorante com boas doses de humor.

afilhadopaiNo cenário mercadológico atual, alguns produtos possuem caráter descartável, sendo totalmente esquecidos quando substituídos por outros melhores em uma velocidade espantosa. Isto se reflete na indústria do cinema, onde as obras, independente de sua qualidade artística, precisam se destacar entre as demais para alcançar alguma visibilidade do público, que é bombardeado por várias opções igualmente atrativas ao mesmo tempo.

Isso vale tanto para o mainstream – com blockbusters que possuem nos efeitos visuais cada vez mais evoluídos seu grande apelo comercial – como para o cinema independente, que busca uma constantemente desconstrução narrativa e metodológica, muitas vezes de maneira forçada, também no intuito de inovar e se diferenciar dos demais. Em meio a esta disputa por um lugar ao sol, ficam apagados filmes com uma proposta mais modesta, que têm a oferecer apenas uma boa história contada de forma simples e honesta.

Neste contexto, “A Filha do Pai” surpreende ao cativar o espectador com um enredo aparentemente antiquado e piegas, sem grande valor comercial nem ousadia para os padrões contemporâneos. O longa é uma refilmagem da obra homônima de 1940 e, diferente de outros remakes, não é uma nova versão de uma velha história, sendo bastante fiel à original – mais um motivo para não ser tão atrativo quanto merece. Daniel Auteuil, que já tem uma carreira consolidada e admirada como ator há décadas, esbanja talento em sua estreia como diretor e roteirista, adaptando o longa baseado no livro de Marcel Pagnol, que, por sua vez, dirigiu e roteirizou a primeira versão para o cinema de seu próprio romance.

O filme se passa na França no início do século XX e segue a trágica história de amor de Patricia (Astrid Bergès-Frisbey), uma jovem dedicada à  família. No dia do seu aniversário, Patricia leva o almoço do pai, Pascal, vivido pelo próprio Auteuil, que trabalha na construção e conserto de poços. No meio do caminho, a jovem conhece o formoso Jaques, proveniente da rica família do dono da loja da cidade. A inevitável atração entre os dois culmina em uma gravidez não planejada, ainda prejudicada pelo fato de Jaques ser convocado para a Guerra e não poder se casar com Patricia. Visando preservar a honra da filha e de toda sua família, Pascal toma as rédeas da situação e tenta resolver o ocorrido.

O humor é a principal arma do roteiro contra sua tendência melodramática, dificilmente tolerada pelo público atual. Auteuil e Kad Merad, que interpreta Félipe, ajudante e amigo do poceiro que é apaixonado por Patricia, variam muito bem entre o drama e a comédia em suas atuações, sendo responsáveis pelas cenas mais engraçadas e emocionantes, mas sem descaracterizar seus personagens em nenhum dos dois casos. A bela Bergès-Frisbey tem uma linguagem corporal que representa bem a timidez e a ingenuidade de sua personagem, sem necessidade de expor tais características verbalmente. A atriz protagoniza o filme ao lado de Auteuil, que ganha mais destaque na metade do filme e diz a que veio.

Os coadjuvantes – Félipe, Amanda (irmã de Patrícia, vivida por Emilie Cazenave) e os pais de Jaques, Sr. e Sra. Mazel (Jean-Pierre Darroussin e Sabina Azéma, respectivamente) – também têm seus arcos bem trabalhados, impedindo que se percam em papéis genéricos ao mesmo tempo que nunca fogem à narrativa principal, estando completamente integrados a esta. A descentralização do papel principal e a atenção dada aos ramos da história ajudam o espectador a conhecer e compreender melhor como a mesma situação afeta os diferentes envolvidos de maneiras particulares, sem provocar uma necessidade de tomar partido.

O diretor acerta o tom, conduzindo a trama com uma sinceridade de dar inveja. Não há espaço para exaltações e nem esforço para tocar o público. A história fala por si só e o talentoso elenco só a torna mais verdadeira. Eventuais clichês do gênero não incomodam e nem soam como tais, pois Auteuil sabe disfarçá-los com proeza, levando o espectador a caminhar no mesmo ritmo dos personagens, sem previsibilidade. Dessa forma, “A Filha do Pai” dispensa racionalizações e surpreende justamente por não tentar fazê-lo.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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