Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de junho de 2013

Bonitinha, mas Ordinária (2009): a volta de Maria Cecília não impressiona

Desenvolvida desde 2008, a nova versão tenta atualizar a trama, mas não atinge um bom nível de satisfação.

Bonitinha, mas Ordinária1Era para a versão de Moacyr Góes para a peça de Nelson Rodrigues estrear nos cinemas ano passado, em comemoração ao seu centenário, mas dificuldades na realização impediram o feito. A terceira leitura de “Bonitinha, mas Ordinária” é ambientada no subúrbio carioca, após duas experimentações que se tornaram clássicas da cinematografia nacional, mas que hoje parecem um tanto cafonas. Funcionaram em suas respectivas épocas, mas não envelheceram muito bem, por mais crítico e cru seja o material original.

A primeira aconteceu em 1963, no filme dirigido por Billy Davis que trazia Jece Valadão, Odete Lara e Lia Rossi vivendo o triângulo amoroso. Depois, em 1981, Braz Chediak realizou a mais famosa e polêmica adaptação, estrelada por José Wilker, Vera Fischer e Lucélia Santos. Agora é a vez de João Miguel, Leandra Leal e Letícia Colin recontarem essa história. Colin assume o papel de Maria Cecília, uma bela e inocente jovem que é violentada enquanto está em uma festa no morro.

Para “resolver” a situação, seu pai Dr. Werneck, interpretado por Gracindo Junior, decide que ela precisa casar para recuperar a dignidade. O escolhido é o seu funcionário Edgar, papel de João Miguel, que se encanta pela moça, ao mesmo tempo em que tem uma queda por Ritinha, papel de Leal. Eles vivem uma constante provação de valores, que envolvem dinheiro, status e comportamento, tendo seus podres expostos no decorrer da trama.

Existe certo fascínio (ou mesmo maldição) acerca das obras de Nelson Rodrigues que requer propriedade na hora de fazer qualquer tipo de releitura. Esta nova versão do filme peca pela fraqueza da abordagem, mesmo que tente fazer um paralelo os valores éticos questionáveis que não ficam velhos. A favela está lá, bem como o dinheiro que compra tudo e o falso moralismo de uma sociedade que se comporta como bicho. Mas a sensação que dá é de acompanhar uma história ultrapassada.

A estrutura do roteiro tenta dar ritmo ao longa, mas tudo parece estar fora do lugar. As relações do triângulo amoroso pouco ou nada convencem, não tendo tempo suficiente para se estabelecerem como algo sincero. Também não há empatia com os personagens principais. O único que consegue criar certo interesse é o Dr. Werneck de Gracindo Junior, que é desvalorizado pelo roteiro no último ato da projeção simplesmente sumindo. O  longa demorou tanto para ficar pronto para que fosse possível lançar uma nova versão digna da obra original, mas as irregularidades continuaram presentes. Não teve jeito.

A doçura de Letícia Colin está além do suportável, cheia de tiques infantis, ainda que ela impressione quando sua verdadeira identidade surge. O roteiro impede que ela mostre seus dois lados, se antecipando em um desfecho que pode desagradar os mais xiitas. João Miguel, um dos atores mais disputados do cinema, está acima do tom que Edgar precisa, muito lembrando o exagero de José Wilker no filme de 1981. Leandra Leal é magnética sempre que está em cena, mas seu arco narrativo poderia render mais discussão. Dessa forma, o que temos é um filme de falhas, desde a reconstrução do texto à execução. Moacyr Góes, que considera este o seu melhor filme, dirige com insegurança, esperançoso que o elenco desvie das falhas legítimas da narrativa, o que não acontece.

Ao mesmo tempo em que o longa julga o ser humano e tenta dar esperança para as nossas ações com um suposto ‘final feliz’, não é assertivo o suficiente para se tornar uma obra audiovisual contemporânea de destaque. Talvez as três versões sofram de problemas diferentes, ainda que tentem se adequar às necessidades da transposição do teatro do cinema. As diferentes épocas em que foram produzidas penalizam a qualidade das adaptações, seja por questões técnicas ou de atualização da temática.  Góes teve uma chance de mostrar os percalços da ambição humana e o desejo pelo dinheiro, mas se restringe a contar uma história que não cria elo com o público e se torna desinteressante, coisa que certamente não corresponde à genialidade de Nelson Rodrigues.

Esse filme fez parte da programação do 17º Cine PE – Festival do Audiovisual, em abril/maio de 2013, e a crítica foi adaptada de matéria especial publicada por este autor no Jornal Diário do Nordeste.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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