Cinema com Rapadura

Críticas   segunda-feira, 13 de maio de 2013

O que Traz Boas Novas (2011): o luto compartilhado

Longa canadense indicado ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira em 2012 traz uma narrativa simples e tocante sobre a dor que aproxima os diferentes.

21003753_20130506190925039.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxIniciando sua primeira aula em uma escola canadense, o professor recém-contratado escreve seu nome no quadro para se apresentar aos alunos com idade por volta dos doze anos. Uma menina pergunta curiosa: “Bashir Lazhar? Qual o significado?”. O professor, imigrado da Argélia, explica que Lazhar quer dizer “sorte”, e Bashir é “o que traz boas novas”, expressão que dá nome ao longa – em uma das raras ocasiões em que o título brasileiro é mais significativo do que o original, “Monsier Lazhar”.

Adaptado da peça teatral de Evelyne de La Chenelière, o filme parte do suicídio repentino de uma das professoras do colégio, dentro da própria classe em que dava aula – obviamente, durante o intervalo, enquanto os alunos estavam no pátio. A tragédia abalou todos da instituição, sendo necessário um acompanhamento psicológico das crianças durante as semanas decorrentes, assim como a substituição da professora.

Para a surpresa de Mme Vaillancout (Danielle Proulx), a diretora da escola, surge em seu escritório o personagem título (do original), interpretado por Mohamed Fellag – devidamente premiado por sua atuação em duas ocasiões, dentre outras duas que foi somente indicado. Diante da situação delicada, Lazhar se apresenta para o cargo com disposição e disponibilidade tais que Vaillancout não consegue negar o emprego ao estrangeiro.

Apesar do empenho, o professor novato sente dificuldades em se adequar às práticas de ensino atuais, atendo-se a uma metodologia pedagógica mais tradicional e antiquada. Embora haja uma razão específica para isto, que só iremos descobrir mais adiante na película, tal relação também serve para concretizar a própria solidão do personagem, que tenta reestruturar sua vida longe de casa e sem a família. Na cena em que Lazhar tenta colocar seu notebook na gaveta de sua mesa de trabalho e este não cabe, percebemos uma boa metáfora desta desadequação.

As crianças do elenco entregam impressionantes atuações, principalmente Sophie Nélisse, que interpreta a madura Alice, e Émilien Néron, que dá vida ao arteiro Simon. Ambos formam o centro da narrativa junto ao protagonista, sendo fundamentais para a composição e o desenvolvimento deste ao mesmo tempo que estabelecem seus próprios arcos.

O diretor e roteirista Philippe Falardeau, juntamente com o diretor de fotografia Ronald Plante, exibe uma admirável preocupação de expressar ideias por meio da composição da imagem. Muitos planos que focam Lazhar têm uma profundidade mínima, separando assim o personagem do ambiente e evidenciando seu deslocamento ao mesmo tempo que guia o espectador para uma visão mais introspectiva. Outro exemplo é a forma como a mãe de Alice é retratada, onde os enquadramentos e a mise-en-scène não permitem uma visão clara do rosto da personagem. Mesmo tentando se aproximar da filha, ela é impedida de ser mais presente por conta do seu trabalho como pilota de avião, que a torna literalmente distante.

A relação entre a inocência do ambiente escolar e o luto instaurado pela tragédia inesperada, que permeia toda a narrativa, é visualmente representada por Emmanuel Fretchette, privilegiando tons de azul e amarelo em seu design de produção, tanto nos cenários quanto no figurino – algo evidenciado pela fotografia de Plante. Isto fica estabelecido logo no início do longa, após o suicídio da professora, quando as paredes da sala de aula, antes de tom amarelo morno, são repintadas com um azul acinzentado. Esta intenção de dualidade é desnecessariamente explicitada no roteiro quando a psicóloga do colégio comenta com Lazhar que a classe parece um quarto de hospital e precisa de mais cor.

“O que Traz Boas Novas” é uma obra sobre pessoas diferentes com dores semelhantes. O roteiro não tenta fechar uma história, apenas falar sobre os sentimentos humanos mais primordiais: alegria e tristeza. Por meio disso, constrói-se um drama leve com pequenos toques de humor naturais ao cotidiano escolar. Algumas cenas de teor cômico são descartáveis para a história em si, mas funcionam muito bem enquanto niveladoras do tom narrativo, que nunca cai nas armadilhas do próprio tema. A simplicidade do filme evoca uma autenticidade que funciona melhor do que qualquer artifício melodramático para arrancar sentimentos do público.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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