Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 05 de maio de 2013

A Datilógrafa (2012): saudosismo, previsibilidade e algumas risadas

Longa que integra a programação da quarta edição do Festival Varilux de Cinema Francês traz comédia romântica aos moldes dos anos 50.

Populaire-PosterRecentemente, o longa francês “O Artista” ganhou a atenção do público e da crítica por se tratar de um filme mudo em pleno século XXI. Desde a fotografia em preto e branco até o roteiro metalinguístico sobre a decadência de um ator diante do avanço tecnológico que trazia o som para o cinema – fazendo referência inclusive a um dos maiores clássicos hollywoodianos, “Cantando na Chuva” –, a obra foi realizada no formato da época a que se propunha homenagear. Adotando o inglês como idioma e valorizando a cultura cinematográfica americana, “O Artista” levou o Oscar de Melhor Filme em 2012 sem grandes dificuldades.

Eis que o diretor francês Régis Roinsard decidiu seguir os passos de seu conterrâneo “oscarizado”, Michel Hazanavicius, e prestar homenagem a outra fase do cinema americano. Desta vez, não são os filmes mudos, mas as comédias românticas da década de 50 e início dos anos 60 que servem de inspiração para “A Datilógrafa”, que marca a estreia do diretor em longas. Os créditos iniciais, permeados por animações coloridas acompanhadas de uma trilha no melhor estilo de “O Pecado Mora ao Lado” e da extinta série de TV “Jeannie é um Gênio”, revelam o tom narrativo do filme.

Estamos na região da Baixa Normandia, na França, em 1958. Rose Pamphyle (Débora François) datilografa seu nome entusiasticamente em uma velha máquina de escrever que está a venda no armazém de seu pai. A tímida jovem do interior que trabalha ajudando no pequeno negócio da família sonha em ser uma secretária. Para ela, isso é sinônimo de modernidade, relações sociais ativas e viagens pelo mundo, tudo o que sua vida pacata não lhe permitia ter.

Embora a realidade não seja tão chique quanto parece, é o suficiente para Rose fugir de um futuro infeliz com um casamento arranjado pelo pai. Ela se arrisca em uma entrevista de emprego em uma companhia de seguros na cidade de Lisieux. Seu empregador, o charmoso empresário Louis Échard (Romain Duris), percebendo a agilidade da jovem na escrita com a máquina – que, apenas usando os dois indicadores, é mais rápida do que a maioria que usa os dez dedos –, promete-lhe a vaga de secretária com a condição de que ela treine para vencer um concurso de datilografia. Este é o pontapé inicial para uma conturbada, divertida e previsível história de amor.

François e Duris se divertem em seus papéis, com atuações caricaturais e eficientes para o tipo de humor desejado, servindo bem dentro da proposta do longa. O design de produção de Sylvie Olivé também caminha neste sentido, conferindo à obra uma vivacidade que define o teor cômico da época e, ao mesmo tempo, o contexto da trama. A decoradora de set Jimena Esteve brinca com a metalinguagem, dispondo fotos de Audrey Hepburn e Marilyn Monroe – dois ícones da comédia romântica americana da época – na parede do quarto de Rose.

Laure Gardette e Sophie Reine são responsáveis por boa parte da eficácia narrativa do filme por meio de sua montagem que, além de fornecer dinamismo a cenas aparentemente enfadonhas – como as competições que Rose participa –, consegue potencializar gags apenas pela variação entre planos ou por elipses bruscas – como quando Louis se fere com uma faca.

Apesar dos incansáveis e desnecessários trocadilhos visuais e verbais relacionando o nome da protagonista (Rose) e uma rosa sem que haja algum significado relevante, o roteiro da dupla estreante Daniel Presley e Romain Compingt, em parceria com o próprio diretor, constrói diálogos afiados e divertidas interações entre os protagonistas.

No terceiro ato, porém, o trio de escritores perde a criatividade e se limita apenas a adiar uma conclusão já adivinhada pelo espectador. A narrativa se torna arrastada e os personagens, desinteressantes. A montagem continua sustentando o ritmo de uma forma tão admirável que até parece nos preparar para algo diferente do esperado. Porém, o roteiro insiste em decepcionar, tornando inútil a pequena expectativa por alguma surpresa que ainda nos resta.

“A Datilógrafa” é uma comédia leve e inofensiva, mas que tem seus méritos. A decadência do roteiro no momento mais decisivo é a principal falha do longa e a que o determina. A obra não consegue alcançar a regularidade de “O Artista” que, mesmo adotando os clichês e a simplicidade como bases fortes de consistência narrativa, parte de uma mesma proposta de resgate/homenagem de uma época e gênero cinematográficos.

Esse filme integra a programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2013.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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