Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 05 de maio de 2013

Ferrugem e Osso (2012): superação de um, amadurecimento de outro

Premiado em Cannes, Marion Cotillard estrela uma história intensa que mostra o antes e depois de uma tragédia que muda vidas.

Ferrugem e OssoPremiações como Cannes e César são para filmes que se destacam pela sua forma de arte e qualidade narrativa, independente da nacionalidade. O Oscar, mesmo considerado a maior premiação do cinema, claramente destaca os longas americanos, limitando os ganhadores aos já conhecidos conglomerados hollywoodianos, mas em Cannes muitos premiados mereciam a estatueta esse ano. Um deles é o novo longa do diretor francês Jacques Audiard.

“Ferrugem e Osso” é um filme franco-belga que conta a história Alain (Matthias Schoenaerts), um ex- boxeador e pai solteiro de um menino de cinco anos que vive de forma miserável pelas ruas, após ter perdido o treinador. Não tendo alternativa, e com muitas dificuldades, ele viaja para a casa da irmã em busca de ajuda para recomeçar a vida e logo consegue um emprego de segurança. Uma noite ele conhece na boate que trabalha Stéphanie (Marion Cotillard), uma bela adestradora de um famoso parque aquático da região. Alain a leva em casa e, encantando com a beleza da moça, deixa seu telefone, caso precise de algo. Porem, Stéphanie sofre um grave acidente no trabalho. Deprimida, ela entra em contato com Alain, que a visita com frequência. Com o passar do tempo, a relação entre eles fica mais intensa, mudando completamente a rotina e a vida dos dois.

Dirigido por Jacques Audiard e com o roteiro baseado nos contos “Rocket Ride” e “Rust and Bone”, do livro “Rust and Bone”, do canadense Craig Davidson, “Ferrugem Osso” mostra a transformação de duas vidas por meio da superação. O longa conta a história dos personagens aos poucos, mostrando a grande diferença de vida e cotidiano que cada um passa. Logo no início, cada personagem é apresentando ao público como pessoas solitárias que vivem de forma artificial, sem se importar com as situações e pessoas ao seu redor. Alain é um troglodita, que só pensa nele mesmo e não percebe que o seu jeito de ser prejudica e magoa as pessoas que estão próximas, principalmente o filho e a irmã. Stéphanie, por sua vez, é uma mulher que gosta de chamar a atenção pela sua aparência e amor pela vida, visto por ela como algo fundamental para ter bons relacionamentos e conseguir o que quer.

Quando Stéphanie sofre o acidente, o mundo dela desaba, vendo tudo o que mais amava acabar de um dia para o outro. Por um tempo, ela pensa em desistir, mas percebe que viver deprimida não irá mudar sua situação.  Alain acompanha a luta dela pela vida e isso o motiva a fazer o mesmo, retomando o sonho de se tornar um boxeador profissional. A princípio, de forma clandestina em lutas de rua organizada por conhecidos, Alain volta a lutar escondido da família e consegue retirar um bom dinheiro extra com isso. A única que o acompanha é Stéphanie e, mesmo sendo um homem rude e grosseiro, ele percebe nela alguém que pode confiar, despertando em ambos uma necessidade de ficar perto um do outro, não só pelo relacionamento amoroso, mas pela companhia e compreensão que compartilham quando estão juntos.

Matthias Schoenaerts, tendo uma carreira consolidada na Europa, ganhou destaque e reconhecimento em “Ferrugem e Osso” pela interpretação do lutador A parceria com Marion Cotillard lhe rendeu o premio César de Ator Promissor. A interpretação de Schoenaerts é intensa em mostrar que toda a fúria do personagem se dá na condição de não aceitar o fim de sua carreira e, no lugar de prosseguir, desiste covardemente sem ver alternativa.

Por sua vez, a atriz Marion Cotillard claramente retrata a fragilidade e a transformação da personagem antes e depois do acidente. Todo o filme mostra sua superação, mas deixa claro que a mudança de paradigmas não acontece imediatamente. Para aqueles que não estão acostumados, a obra pode parecer um pouco monótona, mas cada personagem, principalmente de Cotillard, sofre a transformação a partir do momento que muda seu foco e para de ver a tragédia como o fim. A famosa cena de encontro com a orca mostra esse desejo de superação, igualmente visto na cena em que a personagem de  Cotillard, sentada na varanda de sua casa, faz os comandos que antes realizava como adestradora. As cenas de sexo são intensas, pela aceitação do próprio corpo e renovação da autoestima. A companhia de Alain a faz se sentir bem, pois com o seu jeito rude ele não a trata com pena, mas sim como uma pessoa normal.

O brilhantismo da história e a construção narrativa se dão na reflexão sobre o medo e a necessidade que cada um tem de mudar e quebrar os paradigmas impostos por si mesmo, de uma forma romântica e sem exageros, Jacques Audiard mostra que a superação tem que ser vivida devagar, aprendendo a cada paço para se tornar uma pessoa melhor.

Esse filme integra a programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2013.

Adriana Cruz
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