Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 28 de abril de 2013

O Futuro (2011): uma visão pessimista da humanidade

Comédia dramática com toques de fantasia constrói uma narrativa liberta de convenções.

20498628.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxEm 2004, a revista Filmmaker listou os “25 Novos Rostos dos Filmes Indie”. Miranda July, que na época havia dirigido apenas três curtas-metragens e estava trabalhando em seu primeiro longa, “Eu, Você e Todos Nós”, ficou no topo desse ranking. Há dois anos, a cineasta lançou seu segundo longa, intitulado “O Futuro”, que retrata um pacato casal de jovens adultos em busca de resgatar o sentido perdido de suas vidas.

Sophie e Jason, interpretados pela própria diretora e por Hamish Linklater, mergulham na internet com seus respectivos notebooks em lados opostos do sofá, ilustrando uma vida acomodada e individualista, mesmo que ingenuamente. Ele trabalha em casa como assistente técnico de informática por telefone e ela é uma professora de dança para crianças – “só professora”, diz a personagem, como se reconhecendo os limites de seu talento para ser uma verdadeira dançarina.

As brincadeiras internas do casal, que envolvem poderes da mente e conversas com o presidente sobre um futuro promissor, revelam seus sonhos perdidos e sua infelicidade contida. Quando decidem adotar um gato de estimação, eles percebem que tal responsabilidade pode custar anos de dedicação ao animal e abdicação de suas metas pessoais. Concluem que terão apenas um mês de liberdade até a chegada do gato e resolvem mudar radicalmente seu estilo de vida para tirar o máximo proveito dela.

July escreve um roteiro liberto de convenções temáticas, dando à obra uma dimensão bem maior do que se espera. A jornada individual dos personagens transborda o âmbito pessoal e esboça a caricatura de um momento crucial da existência dos seres humanos, onde tudo necessariamente mudará para melhor ou para pior. Mas isso não é feito de modo irresponsável e prepotente, e sim reconhecendo o valor de elementos importantes que mantém a história íntima, particular – por exemplo, a música que o casal define como sinal de sua união ou a camisa amarela que Sophie sempre carrega como um porto seguro diante das novas possibilidades, tão assustadoras quanto atrativas.

A direção de arte de Ruth De Jong confere uma atmosfera intimista ao apartamento do casal, gerando um clima de aconchego que convida o espectador a testemunhar o cotidiano pacato dos protagonistas sem constrangimento. Objetos largados ou mal arrumados demonstram o sentimento de pertença de ambos em relação àquele pequeno espaço, onde o desleixo se traduz em uma leve desorganização que soa autêntica, natural.

July e Linklater formam uma ótima química entre seus personagens, sem a qual a narrativa perderia suas bases, comprometendo metade do atrativo da obra. As atuações e os diálogos naturalistas contrastam bem com elementos fantasiosos que eventualmente são apresentados à trama, obviamente exercendo um papel simbólico. Tais elementos são impressos de forma também natural, integrando-se às situações por meio de efeitos práticos que não corroem o caráter materialista do longa.

Enquanto o casal protagonista “aproveita a vida” do jeito que sabe e se redescobre do jeito que não planeja, o gato que espera os dois na clínica veterinária fala (literalmente) com o público sobre seu sofrimento de antes e sua ansiedade de agora, sabendo que terá um lar, uma família. Ele parece ser a meta desejada e inalcançável, a oportunidade rara e perdida de todos nós – as árvores derrubadas, o ar poluído, as crianças mal cuidadas, o amor perdido, a vida moribunda que nos lança um ultimado. Sophie e Jason são a paródia do último casal da face da Terra, e o título do filme é um questionamento.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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