Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 28 de abril de 2013

Reality – A Grande Ilusão (2012): uma crítica à sociedade do espetáculo

Nova produção italiana diverte e comove ao provocar reflexões sobre o fascínio causado pela televisão.

RealityAssim como o cinema, a televisão causa um imenso fascínio ao invadir a casa de cada espectador com seu universo. Dos programas de auditório aos de entrevista; dos populares seriados aos telejornais, o meio televisivo tornou-se presença obrigatória na vida de quase todos. Entretanto, o fenômeno dos reality shows levou ao extremo uma espetacularização dos fatos, de maneira que a rotina de pessoas comuns é integrada à mídia, tornando tênue a linha entre realidade e o universo formulado da televisão.

Uma crítica bem humorada à cultura do espetáculo, “Reality – A grande Ilusão”, novo longa de Matteo Garrone (Gomorra”, 2008) é iniciado com a sequência de um pomposo casamento. Ao som da trilha sonora, que evoca uma atmosfera de fantasia digna de Danny Elfman, chegamos à festa acompanhando uma carruagem que transporta os noivos.  Fotógrafos, pombos e mesmo a participação de uma celebridade fazem da cerimônia um grande evento, quase nos moldes dos casamentos de alguma realeza.

Impregnados por um clima de sonho, somos apresentados a Luciano (o ótimo Aniello Arena) e sua família tipicamente italiana que, morando em um cortiço, estão longe deste mundo idealizado. Entre as vendas na humilde peixaria e pequenos golpes aplicados com a ajuda de seu irmão, a personagem leva uma vida pobre até receber a oportunidade que pode mudar sua vida ao fazer um teste para um reality show.

Avançando no processo seletivo para “Il Grande Fratello” (nome italiano para o “Big Brother”), o peixeiro deposita grandes esperanças na possibilidade de participação como futura fonte de estabilidade para sua família. Entretanto, a lógica do show extrapola para a realidade, já que Luciano torna-se obsessivo, se imaginando intensamente vigiado por consultores do programa enquanto está à espera de seu ingresso neste. Um morador de rua, freguesas comprando peixes ou mesmo duas senhoras rezando em um cemitério podem estar buscando informações decisivas que permitirão uma entrada no “Big Brother” europeu e a ascensão na vida.

Tal paranoia crescente é representada de modo sutil, mas interessante, no uso de primeiros planos e de uma profundidade de campo curta, que foca no protagonista nos momentos em que ele se vê como objeto de atenção dos “funcionários da emissora”. Além disso, a fotografia ainda contribui, junto com figurinos coloridos, para a atmosfera de fantástica vivenciada no cortiço, utilizando cores saturadas que parecem construir cenários televisivos.

A direção de Garrone conduz momentos de destaque como a belíssima cena após o casamento, em que a família de Luciano sai da fantasia da cerimônia e volta à realidade, como Cinderela após a meia-noite, ou a divertida sequência de uma velha vizinha que cobra dinheiro do protagonista. Porém, o diretor, que assina o roteiro com três outros autores, peca na construção de um terceiro ato arrastado e com cenas redundantes, que parecem reafirmar um propósito já apresentado, a exemplo da repetitiva briga entre a personagem de Arena e sua esposa.

Culminando em um final aberto a interpretações, “Reality- A Grande Ilusão navega entre a comédia e o drama ao tempo em que discute o fascínio provocado pela televisão na sociedade atual. Consolidando a posição do diretor Matteo Garrone, a produção vencedora do prêmio de Júri no ano passado em Cannes é digna de muito mais que uma “espiadinha”.

Mateus Almeida
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