Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 07 de abril de 2013

Mama (2013): novato argentino faz versão corajosa de seu curta de terror

Produzido por Guillermo Del Toro, longa opta por uma história simples, mas de escolhas ousadas, as quais perdem força por erros evidentes de roteiro e fraqueza de suas personagens.

MamaDesde o lançamento do belíssimo “O Labirinto do Fauno”, o mexicano Guillermo Del Toro tornou-se um dos produtores mais ativos tanto dentro da forte indústria norte-americana de cinema quanto fora dela. O IMDB calcula um total de 17 projetos realizados por Del Toro a partir de então até o início de 2013, entre longas e curtas-metragens. E ele aposta em tudo, desde animações de altíssimo orçamento a dramas europeus intimistas. Mas são os filmes de suspense e terror que mais fazem questão de ressaltar o “Guillermo Del Toro apresenta” em seus trailers e créditos iniciais. O mais novo filme a utilizar-se sem limites dessa referência é “Mama”. Versão extendida de curta de 2008, a produção não desrespeita o nome de peso que carrega, mas também não contribui para fortalecê-lo ainda mais.

Dando vida à trama que mostrava apenas duas garotas fugindo, pelos cômodos da casa, de um fantasma chamado Mama, o filme  tem início com uma enorme fatalidade. Após seu pai cometer um massacre, matando inclusive sua própria esposa, e sofrer um acidente durante a fuga, Victoria (Megan Charpentier) e Lilly (Isabelle Nélisse), então com 3 e 1 ano de idade, respectivamente, são levadas por ele para uma escondida casa em uma densa floresta. Lá misteriosos acontecimentos levam as crianças a tornarem-se orfãs, ocasionando o desaparecimento delas. Apenas cinco anos depois, ela são encontradas, passando a morar com seu tio Lucas (Nicolaj Coster-Waldau) e sua namorada Annabel (Jessica Chastain). Cheias de mistérios, elas e diversas situações revelam, aos poucos, que a amiga imaginária que possuem é bem mais amedrontadora do que se pode ter ideia.

O mesmo não se pode dizer do filme, o que não se trata de um demérito. “Mama” não tem como principal propósito assustar o público a qualquer custo, apesar de fazê-lo bem eventualmente. Quase todas as sequências de terror mais explícito possuem uma lógica para existirem, fazendo parte de uma história extremamente simples, sem grandes propósitos ou megalomanias, mas dono de uma coragem notória, que se transforma em seu grande diferencial em relação a outras obras do gênero. Dirigido e escrito pelo novato argentino Andrés Muschietti, que na última função divide a responsabilidade com sua irmã Barbara Muschietti e Neil Cross, a produção, enfim, revela-se uma grata surpresa. E seria ainda melhor se não fosse dona de erros pontuais, mas relevantes na construção da trama e de suas personagens.

Como maior ponto positivo, temos a falta de medo em encarar, literalmente, o sobrenatural. Desde a introdução, o longa demonstra que não vai ficar apenas em ameaças. O climax, claro, acontece nos últimos minutos, mas antes há muito o que apreciar das peripécias aprontadas pela personagem-título. O roteiro, por sinal, faz de Mama um vilã cheia de propósitos em suas atitudes, por mais exagerada que elas possoam soar, evitando, por exemplo, atacar Annabel, por essa pouco exibir vontade em substituí-la, enquanto faz o contrário com Lucas, o tio cuidadoso que deseja exercer a função de pai a partir de então. O mesmo pode-se dizer da relação das garotas para com ela. Existe um respeito entre o trio que supera qualquer clichê de filme de terror.

Interessante também é observar a animalização das meninas, que de crianças bem criadas, tornam-se, justificadamente, seres com pouca noção de como comportar-se em meio a civilização. “Pouca”, porque, mais uma vez com sobriedade, o script faz de Victoria uma menina ainda cheia de memórias que, mesmo com pouca idade quando abandonada, já havia absorvido muito dos ensinamentos dos pais. Tanto que ela acaba tornando-se uma peça chave para questionar a autoridade de Mama. Enquanto isso, sua irmã Lilly, que não sabe falar e possui dificuldade até em movimentar-se, possui uma óbvia relação de dependência com as duas, especialmente com sua dita “amiga imaginária”. O desempenho elogiável de Megan Charpentier e, especialmente, de Isabelle Nélisse, é fudamental para tornar crível uma trama que poderia facilmente adentrar no terreno do “absurdo”.

Mas se as meninas são bem, ainda que limitadamente, definidas, o mesmo não se pode dizer das personagens adultas. Bem que Jessica Chastain tenta dar algum carisma a Annabel, fazendo-a uma mulher descolada, com atitudes dignas de uma integrante de uma banda de rock, até chegando a divertir o espectador eventualmente. No entanto, isso é tudo que sabemos dela. Nem sua relação com o namorado nem com as “sobrinhas” é bem construída. Com Nicolaj Coster-Waldau, a situação é ainda pior. Não há tempo de tela suficiente para que ele nos convença como o tio amável. Já Daniel Kash, como o Dr. Dreyfuss, tenta, mas é incapaz acrescentar algum mistério interessante a narrativa, exatamente onde o roteiro mais falha.

Em sua busca por apresentar alguns fatos e suspeitas durante a investigação do caso, o filme, então, perde-se. Por mais que a trama que sustenta o filme não desabe, ela é comprometida por furos e mais furos, bem como por coincidências questionáveis, dignas de um terror com pressa em encerrar sua história. A simplicidade do conteúdo principal mantém-na em pé, assim como sua ousadia em enfrentar seus fantasmas de frente. E tudo desagua em um desfecho de resultado dúbio, que mantém em alta a tensão que impõe desde seus primeiros minutos, mas que perde a destreza técnica da boa direção de Andrés Muschietti, principalmente em sua tentativa de inserir algum lirismo no longa. Guillermo Del Toro tem, enfim, motivos para se orgulhar de “Mama”, mas nem tantos assim.

Darlano Didimo
@rapadura

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