Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 24 de março de 2013

Os Croods (2013): a adultização da animação contemporânea

Nova animação da Dreamworks usa a linguagem infantil para narrar – à sua maneira – o nascimento do homem moderno.

O tema da dinâmica familiar é recorrente nas animações modernas. Em um movimento de auto percepção de seu público alvo, os grandes estúdios formulam histórias cada vez mais palatáveis às crianças e aos seus pais. A filmografia recente da Laika, Pixar e Dreamworks, no entanto, tem traçado o movimento inverso: boas histórias com temáticas genuinamente adultas travestidas de linguagem infantil. É esse o caso de “Os Croods”, que mistura a maestria técnica com um argumento cheio de boas intenções, mas que peca pelos tropeços de estruturação do roteiro e desenvolvimento dos personagens.

Apresentados como a última família Neandertal de que se tem notícia, os Croods são compostos por pai, mãe, primogênita, irmão, irmã caçula e sogra. No começo dos tempos, o ato de contar histórias representava detenção de poder e conhecimento; o homem precisa inventar e nomear para explicar os fenômenos do universo que o rodeia. Não é à toa, então, que no roteiro de Chris Sanders (“Como Treinar o seu Dragão”) e Kirk De Micco (“Space Chimps – Micos do Espaço”), Grug Croods (o patriarca) represente o que há de mais anacrônico e ignorante na natureza humana em nível de racionalidade, e que, mesmo assim, seja o detentor do conhecimento e do poder. A proposta da dupla é justamente narrar ruína do homem primitivo e o nascimento do homem moderno.

Se até uma sociedade perfeita como a de Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo” é passível de questionamento, o contrário não seria possível em uma história como “Os Croods”. Eep é a primogênita; adolescente em conflito com a lei paterna (a lei da sobrevivência e do medo), ela quer conhecer o mundo e aproveitar a juventude. Em uma de suas escapadas noturnas (lembrem-se: a noite traz a morte!), ela conhece Guy, um jovem de postura ereta que já domina a arte da camuflagem e do fogo. Instantaneamente, a jovem cai de amores por Guy e pelo que ele representa: um novo estilo de vida.

A cisão da pangeia (deriva continental) é o ponto de partida para a mudança de paradigmas. Guy é o portador da anunciação. Viver em cavernas não é mais a solução para se manter vivo. O que se segue então é um filme de travessia no melhor estilo “O Hobbit” ou “As Aventuras de Tintim”, a ação é desenfreada, cada obstáculo se sobrepõe ao outro, dando pouco espaço para o desenvolvimento individual dos personagens e muito espaço pra comicidade.

Outrossim, é interessante a maneira com que o roteiro de “Os Croods” se estrutura em seu arco narrativo. Ora, o filme começa bem, se desenvolve mal e termina maravilhosamente bem. O interesse dos autores no discurso antropológico e cultural que o filme evoca parece se diluir, mas não deixa, em momento nenhum, de ser fascinante. Guy é o predecessor do homem moderno; ele caminha sob uma postura ereta, domina as tecnologias que o meio lhe oferece por meio da criatividade, e, sobretudo, é guiado pela racionalidade. Como a experiência social deixa óbvio, não é só de lógica e racionalidade que é composto o indivíduo da modernidade, e por isso mesmo é extasiante perceber que não é Guy o homem moderno, e sim Grug, o anacrônico pai de família. A jornada do personagem que tem a intuição e a emoção como força motriz se completa quando lhe é acoplado um cérebro, o instrumento da criatividade, da inventividade. Ter um cérebro não significa perder o coração, pelo contrário: o homem moderno é marcado pela contradição e pela ambiguidade dos seus atos.

A título de técnica, não há como reclamar de “Os Croods”. O uso eficiente do 3D (que dá ideia de imersão no mundo fantástico que é apresentado) e a excelência da computação gráfica dão o tom lúdico de fantasia que a linguagem infantil exige. A direção de arte dos profissionais da Dreamworks na construção dos cenários é um espetáculo a parte; a complexidade e riqueza de texturas de cada terreno apresentado em cena já pagam o ingresso. “Os Croods” é o filhote de uma tendência gritante das animações contemporâneas: adultizar as temáticas e realizar um filme que mesmo voltado ao público infantil, abarque outros tipos de plateia. E quem disse que não tem sobre o que escrever sobre filmes infantis?

Pedro Azevedo
@_pedroazevedo

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