Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de março de 2013

Depois de Lúcia (2012): excelente drama mexicano aborda o bullying

Longa é um bom tapa na cara e causa reflexões sobre como o tema é lidado nos dias de hoje.

Depois de LúciaConsiderado um dos melhores filmes de vários festivais pelos quais passou, o mexicano “Depois de Lúcia” nos apresenta um problema que vem tomando a atenção de todo o mundo: o bullying. Após a morte da mãe (personagem que não aparece, mas que dá nome ao filme e é o deslanche para todos os acontecimentos), Alejandra (Tessa Ia, excelente) e o pai, Roberto (Gonzalo Veiga Jr.), mudam de cidade procurando começar uma nova vida. A garota de apenas 15, que é a principal razão do pai não se entregar totalmente à depressão, logo se adapta ao novo colégio e aos novos amigos. No entanto, durante uma festa, ela se envolve sexualmente com um dos colegas e a partir daí começa a ser discriminada.

É interessante observar que dentro da própria temática do bullying existem outras questões sobre quais devemos refletir, como a forma que os papéis femininos e masculinos são vistos no meio social. Duas pessoas participaram de um mesmo ato, mas a sociedade (não só mexicana, mas de quase todo o mundo) é hipócrita e machista e dessa forma condena Alejandra. O que ela é forçada a passar é quase torturante. O diretor Michel Franco não perdoa e nem hesita em nos mostrar de maneira tão crua como os jovens podem ser maldosos e sem um pingo de piedade com aqueles que não são aceitos por eles (e não são aceitos por motivos estúpidos ou preconceituosos).

De forma quase documental, acompanhamos as pequenas torturas aplicadas a Alejandra por aqueles que ela considerou por algum tempo seus amigos. Realmente, em alguns momentos, parece que estamos diante de um documentário e estamos acompanhando uma história que de fato aconteceu. Alguns elementos contribuem para que isso aconteça, como o uso de uma câmera estática, a ausência de trilha sonora e a naturalidade das atuações dos jovens. O filme também se torna um quase documentário por retratar humilhações vividas de fato por vários jovens ao redor do mundo, e acredito que muitos tenham se identificado.

Todos os jovens da escola parecem estar contra Alejandra, sem saber o que de fato ocorreu, e mesmo que soubessem, não justificaria o modo como agem. Os seus colegas são privados de qualquer sentimento de piedade, compaixão e até mesmo culpa. E Alejandra está sozinha. O pai não consegue perceber que a filha sofre em silêncio, os professores não se preocupam e as autoridades procuram acobertar o bullying, porque são simplesmente jovens.

Destaque para a cena final do filme. É surpreendentemente fascinante, chegando até a lavar um pouco a nossa alma. Não é algo pelo qual estamos esperando. E não é apenas o teor da cena que impressiona, mas a forma como é construída. Posso afirmar que qualquer errinho cometido por Franco em sua direção é logo esquecida ao final da última sequência.

“Depois de Lúcia” é um bom tapa na cara e nos faz refletir como estamos lidando com esse problema (e se realmente estamos lidando com ele). O documentário “Bullying”, de Lee Hirsch, mostra como as humilhações sofridas por Alejandra na ficção são bem reais e acontecem de fato. Muitos podem até afirmar “se ela tivesse contado desde o início, nada disso teria acontecido”. Mas não é bem assim. Existem muitos outros conflitos envolvidos e ninguém pode realmente saber o que passa uma vítima de bullying e com o que ela tem que lidar. Além do mais, quem se posiciona dessa forma automaticamente coloca a culpa na própria vítima.

Esse filme fez parte da programação da 6ª Mostra O Amor, a Morte e as Paixões, em fevereiro de 2013.

Adele Lazarin
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