Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Indomável Sonhadora (2012): um conto fantástico e cruel pelos olhos de uma criança

Benh Zeitlin entrega uma história comovente e original que se torna ainda melhor graças a sua adorável protagonista.

indomavel-sonhadoraNão são raros filmes ditos “sérios”, alguns deles indicados ao Oscar, que trazem crianças como protagonistas. Uma seleção severa para escolhê-las, no entanto, é uma exigência essencial, já que a inexperiência delas pode prejudicar todo um trabalho árduo de anos. Basta olhar para os indicados de 2012 e ver dois resultados distintos. Se “A Invenção de Hugo Cabret” tinha o adorável Asa Butterfield como personagem título, “Tão Forte e Tão Perto” perdeu com a interpretação forçada de Thomas Horn. Já “Indomável Sonhadora” se torna um filme ainda melhor pela presença da pequena Quvenzhané Wallis, que intensifica e certifica a intenção de Benh Zeitlin em entregar um conto doloroso, mas fantástico sobre o amadurecimento precoce, mas necessário de uma menina.

Wallis interpreta Hushpuppy, uma garota de cinco ou seis anos. Moradora de uma ilha chamada Banheira por estar constantemente ameaçada de ser devastada por inundações decorrentes do aumento do nível do mar, ela sustenta-se na dureza e esperteza do pai Wink (Dwight Henry), que diariamente luta para alimentá-los. Mas a miséria e os perigos do local, distante e afastado da “civilização” por barreiras, não os atrapalham de divertirem-se juntamente com os outros habitantes. A vontade de permanecer para sempre ali, porém, torna-se quase impossível depois que uma tempestade acomete a ilha. Mas é a doença de seu pai que faz a menina crescer em frente dos olhos de todos.

Em seu primeiro trabalho como roteirista (função que reparte com Lucy Alibar) e diretor em um longa-metragem, Benh Zeiltin não está atrás de denunciar ou levantar bandeiras. Sua intenção também não é explorar a pobreza e realizar um filme de temática social. A infância é o seu foco. O contexto de miséria exerce sim uma influência na rotina da personagem principal. Mas o sentimento de universalidade sempre ecoa nas intenções principais de “Indomável Sonhadora” (em mais uma inapropriada tradução de título original no País). Hushpuppy é uma criança acima de tudo, mas que precisa lidar com a dura realidade do dia-dia.

A realidade, no entanto, é incrementada. Como toda menina em seus primeiros anos de vida, sobra-lhe imaginação. Suas influências, porém , não advém da televisão ou dos livros e sim das aulas de Miss Bathsheeba (Gina Montana), que já a alerta sobre do que todos são feitos: “carne, carne, carne”, ressalta. Mas também inventa contos e histórias impossíveis, nunca desassociados do mundo em que vivem. Seu pai ainda faz questão de prepará-la para o pior, seja fazendo-a morar em sua própria “casa”, seja ensinando-lhe a pescar, seja tratando-a como um garoto. E não falta boa vontade por parte dela.

Inserindo o fantástico e o sobrenatural com méritos, sempre do ponto de vista de Hushpuppy, adentrando por diversas vezes seu imaginário, Zeitlin ajuda ainda mais a amenizar a cruel história que tem para contar, algo para que a belíssima trilha sonora composta por ele e Dan Romer e a fotografia de Ben Richardson também contribuem. Mas para compensar, para não sair da linha do possível, usa sua câmera na mão, por vezes trêmula demais, adicionando doses exatas de verossimilhança.

Sem muitos diálogos e utilizando-se muito bem do voice-over da protagonista, o roteiro, adaptado da peça “Juicy and Delicious”, da própria Lucy Alibar, traz um trama extremamente simples, mas dono de uma mensagem pura e convincente, por vezes adotando o tom de uma fábula.  Seus principais méritos residem no contido processo de amadurecimento pelo qual Hushpuppy precisa passar, indo de uma menina que precisa fazer a própria comida (pelo desaparecimento repentino do pai) à outra que encara os próprios medos literalmente de frente. A relação mantida entre ela e o pai é outro acerto do script. Não há carinho entre eles, mas também não falta amor, expresso em uma comovente cena entre os dois já no desfecho do longa.

Composto por atores amadores, selecionados entre moradores do estado de Luisiana, nos EUA, assim como boa parte da equipe de produção, o elenco não prejudica a narrativa. A falta de técnica interpretativa, aliás, concede autenticidade ao filme. Dwight Henry, por exemplo, está no limite exatamente anterior ao chamado overact, que casa perfeitamente com o tom fabulesco da história.

Melhor pode-se comentar sobre Quvenzhané Wallis (selecionada entre 3500 crianças), a alma do filme, sem a qual “Indomável Sonhadora” não alcançaria a repercussão mundial que atingiu. A naturalidade e a energia de sua interpretação transpõem a tela, captam o espectador e o faz torcer por essa amável personagem, que é a peça principal de uma produção tocante, revigorante, que merece ser descoberta. Uma experiência cinematográfica curta, mas intensa, proporcionada por um cineasta novato e sem medos, como a própria personagem principal. As quatro indicações ao Oscar (que poderiam ser mais) podem passar, mas as emoções proporcionadas pela película permanecem na memória.

Darlano Didimo
@rapadura

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