Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de março de 2013

César Deve Morrer (2012): realidade e ficção se misturam em obra italiana

Os irmãos Taviani ousam em seu último filme e mostram como Shakespeare ainda é uma inspiração para aqueles que querem trabalhar a arte por meio da arte.

César deve morrerEm “César Deve Morrer”, dirigido por Paolo e Vittorio Taviani, acompanhamos a produção da peça teatral homônima baseada na obra de Shakespeare. O que a difere das demais adaptações e peças é que ela é encenada por detentos de um presídio de segurança máxima, Rebibbia, localizado em Roma. O teste de elenco, os ensaios e a apresentação são todos realizados dentro da própria prisão.

Os irmãos Taviani procuram unir realidade com ficção, filmando a peça, mas também documentando todo o processo para que ela seja concretizada. As cenas em que os prisioneiros atuam, ou seja, as sequências da apresentação do teatro, são coloridas, enquanto as cenas documentadas são em preto e branco. Quase todo o filme é o registro dos ensaios e os diretores se aproveitam do ambiente da prisão para construir uma outra Roma: a Roma de Shakespeare, César e Brutus. Os atores/prisioneiros imergem de tal forma em seus personagens que suas próprias histórias se misturam com a história que devem contar.

Em alguns pontos, realmente perdemos a noção do que é real e do que é encenado; se os diretores fizeram só um registro distante do que estava acontecendo ou se procuraram intervir de alguma forma, dando algumas falas aos atores ou pedindo para que trouxessem momentos de suas vidas para a tela. As passagens em que os atores não se apresentam como os personagens que devem interpretar não parecem ser totalmente verídicas, se levarmos em conta que parte do filme é um documentário (ou quer se passar por um). Mas não é algo que atrapalha o desenvolver do filme.

É fácil perceber que a representação nos ensaios não é feita para o teatro, mas sim para o cinema. Por mais que teatro e cinema se assemelhem, existem algumas diferenças básicas. Os atores falam baixo, para que sejam ouvidos pelas câmeras e não pelo público. Eles exploram muito mais a locação, transformam o presídio em Roma, enquanto no palco devem ficar de frente para a plateia, onde possuem um espaço muito mais reduzido para ser trabalhado.

Durante o longa, não nos preocupamos com a vida que os atores/prisioneiros tiveram fora da prisão. Os irmãos Taviani fazem questão de nos informar os delitos e crimes cometidos por eles, a pena que devem cumprir e não procuram inocentá-los de forma alguma. O que importa não é o que foram nem o que fizeram, mas como a arte passou a fazer parte de suas vidas. Em determinada cena, um dos atores diz: “No momento em que conheci a arte, esta cela se tornou uma prisão”. O sentido de falta de liberdade não é apenas o espaço que lhes é privado, mas ter amor a algo e não poder mais fazê-lo ou tê-lo. E sendo assim, os personagens de “César Deve Morrer” se tornam órfãos assim que a peça é encenada para o público.

Vale destacar o teste de elenco, momento em que conhecemos os atores/prisioneiros. O diretor da peça pede para que cada um interprete um mesmo momento de duas maneiras: como se estivessem se despedindo da esposa e como se estivessem muito zangados. É interessante observar como cada um constrói o próprio personagem e como acabam levando um pouco deles mesmos para a caracterização. Outra cena interessante é durante o ensaio da morte de César. Os demais prisioneiros acabam embarcando na “aventura” de montar uma peça de teatro e participam da cena de suas celas na prisão. Nesse momento, os guardas também se mostram interessados e conversam sobre qual personagem está certo ou não.

Outro ponto forte do filme, principalmente para os amantes da língua italiana, é poder ouvir dialetos de toda a Itália. Cada região do país tem o próprio dialeto, às vezes bem parecido com a língua-mãe e às vezes totalmente diferente. Aos atores é permitido que falem as falas com o próprio dialeto, transformando “César Deve Morrer” em algo gostoso de também ser ouvido.

Esse filme fez parte da programação da 6ª Mostra O Amor, a Morte e as Paixões, em fevereiro de 2013.

Adele Lazarin
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