Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Barbara (2012): o retrato de uma forasteira em sua própria terra natal

Longa alemão traz história de médica exilada após tentativa de fuga na Berlim dividida durante a Guerra Fria.

barbaraDo grego, o nome Barbara deriva da palavra “bárbaro”, que significa “estrangeira”, “forasteira” ou “estranha”. Nada mais propício para a personagem-título do longa “Barbara”, filme que a Alemanha selecionou para representar o país no Oscar 2013. Apesar de não ter ficado nem entre os dez pré-selecionados para concorrer ao careca dourado, o longa dirigido por Christian Petzold levou o Urso de Prata de Melhor Diretor no Festival de Berlim de 2012 e ainda garantiu a estatueta de Melhor Filme no German Film Awards.

“Barbara” é um exercício político e social dentro do cinema, ao expor a vida da médica Barbara (Nina Hoss, em quinta parceria com o cineasta). Nos anos 80, após tentar fugir da Berlim pertencente à Alemanha Oriental (comunista), ela é punida e tem de prestar seus serviços em uma pequena cidade do interior. Perseguida e vigiada pela Stasi, polícia repressora do regime, ela esconde um segredo que intrigará espectadores e as pessoas que a rodeiam, inclusive o colega de trabalho Andre (Ronald Zehrfeld).

Figura extremamente reservada, Barbara foge a todo custo das investidas de Andre, que vê na enigmática personagem um encanto que lhe consome a cada dia. Do semblante cerrado, que mistura medo, amargura e muito cansaço, Barbara se mostra uma médica extremamente dedicada a seus pacientes (inclusive tratando-os, sempre, pelo nome). Tal característica s destaca, especialmente, quando atende Stella (Jasna Fritzi Bauer), uma jovem que aparece com meningite e está grávida por conta de abusos sofridos pelo regime.

E nesta cidade conservadora, na qual as pessoas a veem como uma superioridade por vir da capital do país, Barbara vai se entregando à rotina que antecede seu plano secreto. Para isso, contará com a ajuda de Jörg (Mark Waschke), um amante que também lhe esconde outro segredo e será a ponte que a separa e a liga a Berlim e à Alemanha como um todo. Porém, o surgimento de Stella fará com que a relação entre Barbara e Andre tome novos rumos profissionais e pessoais.

O surgimento de Mario (Jannik Schümann), um adolescente que tenta se matar, também servirá de mola propulsora para a saga de Barbara, que divide seus dias entre seu segredo e a rotina do hospital, na qual os gritos e grunhidos irrompem os raros momentos de descanso dos médicos. Para isso, ela conta com o doce Andre, que faz de tudo – e muito mais – para se aproximar da moça.

Buscando sua reclusão para fugir do colega, “Barbara” se apoia em um suspense latente que se estende por boa parte do filme. Com uma direção extremamente segura de um filme lento (mas que nunca perde o ritmo), observamos como silêncios, olhares e sons ambiente são capazes de dizer muito mais coisas quando se está diante de um elenco competente e carismático, reforçados por uma direção premiada de quem sabe o que está fazendo.

Tal claustrofobia de uma época de nuvem negra sempre a pairar, o filme segue por esta linha, em que personagens insones e/ou melancólicos sobrevivam em um universo cinza que ganha cores, na maior parte das vezes, somente na natureza que a rodeia. Andre será, para Barbara, o responsável por fazê-la retomar a poesia em um universo dominado por uma guerra silenciosa como foi a Guerra Fria, na qual a tensão latente e psicológica dominavam aqueles que entendiam o mundo pós Segunda Guerra (seja na divisão da Alemanha ou nas ditaduras que assolaram diversos países).

Das caronas inesperadas à disposição de fazê-la voltar à tocar piano, o jovem médico se embrenha em uma missão de desvendar a mulher séria e fria com aqueles que não são seus pacientes. Assim, abre mão do próprio segredo que guarda (que, claro, também o convocou a atuar no interior) como tentativa de furar a dura casca que envolve Barbara. Porém, como fica claro no começo do texto, ela carrega o estigma de ser uma estrangeira, uma espécie de forasteira estranha em sua própria terra natal.

Tão díspares como as duas Alemanhas, há duas Barbaras no longa, que se divide e se digladia no dilema de envolver-se ou não, o que poderá dar cabo de seus planos. Assim, sempre introspectiva, o silêncio angustiante que a corrói faz com que ansiemos  por sua decisão e decifremos sua natureza. E, para decifrar tão complexa alma, Stella (cujo nome, do latim, significa “estrela”) será um dos principais fatores com relação à misteriosa Barbara.

O roteiro, escrito a quatro mãos pelo próprio diretor Christian Petzold com o veterano cineasta Harun Farocki (na ativa desde 1966), traz diálogos rápidos e incisivos que dão, a conta-gotas, uma trama instigante, prendendo o espectador que se entrega à aura do filme que remonta os anos 80 com a repressão de espiões e informantes diante daqueles considerados ameaças aos regimes vigentes.

Frente a frente com todas essas questões que cercam a saga da personagem, “Barbara” deixa algumas perguntas sem respostas que soam propositais, não entregando tudo de bandeja a seu público. Na pele da personagem-título, Nina Hoss (que levou o Urso de Prata em 2007 por “Yelle”, outra bem sucedida contribuição dela com Petzold) traz uma energia incômoda e fascinante. Torcemos por ela, mesmo sem saber que tipo de segredo está por baixo do pano.

Tudo isso, ainda, é favorecido pelas belas paisagens naturais alemãs, com campos floridos e construções rústicas que, com planos abertos, nos dá a constante e intrínseca sensação de que Barbara está sendo observada. Isso, claro, sem contar com a belíssimo epílogo na praia, na qual os tons de grafite expõem a natureza samaritana da personagem que, parte integrante do sistema que vigorou por 28 anos, passa a ver o mundo pelo olhar dos enfermos e não pela visão dos médicos. Tal qual a analogia feita por Andre do famoso quadro de Rembrandt, “A Lição de Anatomia do Dr. Tulp”, em uma cena-chave de um filme incômodo, ainda atual e acima da média.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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