Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 06 de janeiro de 2013

Sete Psicopatas e um Shih Tzu (2012): sangue e piadas com Martin McDonagh

Em seu segundo longa-metragem, diretor e roteirista de “Na Mira do Chefe” opta por um humor mais escrachado e menos eficiente em uma história que atrai por sua insanidade e metalinguagem.

Sete Psicopatas e um Shih TzuHá cerca de quatro anos, um desconhecido diretor britânico, que tinha apenas um curta-metragem no currículo, chamou a atenção do cenário independente do cinema ao lançar uma comédia cheia de originalidade. Em “Na Mira do Chefe”, Martin McDonagh vai do humor negro à tragédia com a naturalidade que poucos profissionais do ramo já alcançaram. Em suas mãos, até Colin Farrell se tornou engraçado. A indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original não poderia ter sido mais merecida.  Com características semelhantes, inclusive repetindo a parceria com Farrell, McDonagh retorna aos cinemas, fazendo rir com seu humor agora mais escrachado, politicamente incorreto, metalinguístico, mas menos eficiente.

Em “Sete Psicopatas e um Shih Tzu” nos deparamos com uma trama ainda mais insana, que alguns poderiam até chamar de “sem pé nem cabeça”. A confusão se inicia quando um dos diversos psicopatas da história, Charlie (Woody Harrelson), tem seu cachorro sequestrado. Com a ajuda de seus capangas, ele se empenha em achar o ladrão de seu animal de estimação, cujo principal suspeito é ninguém menos do que o sequestrador de cachorros do bairro, Hans (Christopher Walken). Com sua idade um pouco avançada, porém, Hans precisa contar com a ajuda de alguém para realizar o crime diariamente, um maluco chamado Billy (Sam Rockwell). Já Billy é amigo do aprendiz de roteirista Marty (Farrell), que está na produção de uma trama sobre psicopatas.

Com essas altas doses de loucura, Martin McDonagh une seus núcleos apresentados separadamente, dando origem a um jogo de gato e rato, aonde não faltam mortes, sangue e piadas. Na verdade, Marty terá experiências semelhantes as que escreve, mesmo que seu desejo fosse apenas imaginá-las. Contabilizando o número de psicopatas que surgem a cada novo assassinato (cuja contagem tem início já na primeira ótima cena), o filme mistura “realidade” com ficção, fazendo de seus personagens-títulos pessoas verdadeiras, frutos de lendas urbanas ou seres advindos da cabeça de Marty, cujas ideias ainda estão em formação.

Com uma proposta metalinguística, McDonagh reflete com frequência sobre a construção de sua narrativa, principalmente por meio de diálogos, sua especialidade. Mas não pense que o roteirista faz de Marty o único “dono” da história. A ironia está em cada bate-papo e, aos outros personagens, são permitidas ideias que podem até ser acatadas pelo próprio McDonagh… ou não. Versões alternativas para o confronto final, advindas das mentes criativas de alguns deles, são exibidas (a até superam a falta de graça da versão oficial). Em certos momentos, eles funcionam até como porta-vozes do roteirista, servindo, por exemplo, para justificar o motivo de suas personagens femininas serem tão irrelevantes.

No entanto, se a reflexão cômica sobre a própria obra perde pouco de sua força ao longo da projeção, as piadas e o ritmo vão se dissipando. Deixando para as primeiras dezenas de minutos as cenas de ação e as melhores tiradas cômicas, o roteiro mal acostuma o espectador para o começo de uma segunda parte mais lenta, com mais diálogos. A diminuição do ritmo é proposital, como o próprio texto deixa claro, mas a falta de novidades no restante dessa história incomoda mais do que deveria. Até mesmo os personagens coadjuvantes, que roubam a cena, vão perdendo o brilhantismo.

O Hans de Christopher Walken vai bem até justamente conhecermos um pouco mais de seu passado, momento em que o longa perde muito de sua comicidade e adentra um caminho de mais seriedade, do qual tenta sair, mas não consegue totalmente. Woody Harrelson defende ferozmente Charlie até o mau humor de um gângster em busca de seu bichinho não soar mais convincente. A exceção é Billy, de Sam Rockwell, que é a grande atração do filme. É dele as melhores falas e piadas. Sua autoconfiança e falta de noção da realidade roubam a cena e refletem o espírito da película. Outro destaque é a participação especial de Tom Waits, como Zachariah, um ex-assassino em série que está em busca de sua parceira de crime. O flashback que conta sua história transgressora é uma das melhores sequências do longa.

Já Colin Farrell funciona mais como uma escada para os companheiros de cena. Se em “Na Mira do Chefe”, ele e Brendan Gleeson protagonizaram diálogos mais elaborados de comicidade única, agora é a vez de Walken, Harrelson, Waits e, principamente, Rockwell ficarem com as melhores partes do texto de McDonagh. A diferença maior, porém, é a proposta de humor do cineasta, que se apoia em alicerces mais baratos, apesar de originais, que se desgastam com mais facilidade, fazendo de “Sete Psicopatas e um Shih Tzu” uma obra divertida, mas passageira.

P.S.: Durante os créditos finais, é exibida mais uma ótima cena estrelada por Tom Waits. É imperdível!

Darlano Didimo
@rapadura

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