Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 06 de janeiro de 2013

Detona Ralph (2012): nostalgia marca presença na nova animação da Disney

O filme pode até não fazer jus ao universo fantástico que nos apresenta e ter uma lição de moral um tanto quanto estranha, mas é garantia de diversão para gamers nostálgicos e para o público em geral.

Detona-Ralph-poster-brasilA lição “Seja você mesmo” é uma das mais usadas em animações, especialmente naquelas produzidas pela Disney. E não há problema nenhum nisso, considerando que a trama contada seja boa. Pois bem, este “Detona Ralph” usa uma leve variação desse mote e, por mais que seja divertido (especialmente se você estiver ao norte dos 20 anos), sua moral da história deixa um gostinho um tanto quanto amargo na boca.

Dirigido por Rich Moore (diretor veterano de animações para TV como as ótimas “Futurama”, “Os Simpsons” e “The Critic”), o longa nos entrega, logo de cara, um fascinante universo. Em um fliperama onde jogos modernos e outros mais vintage estão disponíveis para os gamers, a diversão realmente começa após a hora de fechar.

Ligados por meio da rede elétrica, os personagens dos games interagem entre si nas suas horas de folga em atividades tão diversas quanto tomar umas no barzinho e reuniões de grupos de ajuda, no melhor estilo Alcoólicos Anônimos. E é no grupo de apoio de vilões (não tão anônimos) que conhecemos o personagem-título. Há 30 anos, Ralph é o antagonista no jogo “Conserta Felix Jr.”, onde seu trabalho é destruir o condomínio de pobres moradores, enquanto Felix, o mocinho, arruma tudo.

Terminado o expediente, o pobre grandalhão vai dormir em um lixão repleto dos tijolos do detonado do prédio recém-consertado. Um excluído em seu jogo e sentindo-se desprezado por todos, Ralph acaba “mudando” de jogo atrás de uma medalha que provaria que ele pode sim ser um herói.

Nisso, ele acaba indo parar em um violento FPS (jogo de tiro em primeira pessoa) e também nos açucarados ambientes de “Corrida Doce” (uma cópia de “Mario Kart”), onde ele conhece a pequena e espevitada Vanellope, considerada um bug no sistema daquele game. No entanto, essa empreitada pessoal de Ralph em busca de reconhecimento e auto-estima acaba colocando em risco todo o fliperama.

Moore e sua equipe encontram geniais saídas visuais para mostrar como esses “bonecos” de games extremamente diferentes entre si, como o primitivo “Pac-Man”, o jogo de plataforma 8-bits “Conserta Felix Jr.”, o super-colorido “Corrida Doce” e o moderno (e fictício) FPS “Dever de Herói”, conseguem coexistir. Até mesmo o design dos personagens encontra o equilíbrio certo para estilizar essas conhecidas figuras sem descaracterizá-las.

O mundo virtual do longa permite aos personagens dos games uma interação muito mais complexa que aquela vista nos três “Toy Story”, até por estas ocorrerem em ambientes e situações que dão aos roteiristas maior liberdade na criação das regras internas do fliperama, privilégio bem explorado. E as próprias participações especiais de figuras como Sonic, Zangief, Ryu, Ken e Bowser farão a festa dos gamers.

Por mais que esse universo tenha tanto (ou mais) potencial que na trilogia dos brinquedos da Pixar (e a ligação aqui é inevitável, especialmente com a presença de John Lassenter como produtor), ele necessita ainda de personagens carismáticos e uma boa trama para se sustentar.

Um dos grandes dilemas atuais é a falta de satisfação de boa parte das pessoas com o que fazem, tornando fácil para o público se conectar com a jornada de Ralph. A mesma coisa acontece com a busca de Vanellope para afirmar sua identidade própria. Nisso, a audiência consegue entender suas jornadas existenciais e como esses personagens dialogam entre si de um ponto de vista emocional, algo fundamental para o sucesso do filme.

A química entre os dois funciona bem e até mascara alguns diálogos meio vergonhosos, como o inevitável trocadilho com certas funções corporais. Tem-se ainda, em paralelo, o desenvolvimento de um romance atrapalhado entre o certinho Felix e a durona Calhoun, de “Dever de Herói”, enquanto eles buscam remediar as trapalhadas de Ralph. Também são lançadas “pistas” bem posicionadas quanto ao vilão da película e o duelo final é realmente emocionante.

Mas é uma pena que, lentamente, o longa abandone um pouco seu singular universo e se concentre demais no ambiente da “Corrida Doce”. Além disso, a própria conclusão da história glorifica uma sociedade estratificada e de papéis fixos, em uma bizarríssima lição de moral, quase tão estranha quanto aquela presente no medíocre “Carros 2”.

A dublagem brasileira está ótima, com o ator Tiago Abravanel se segurando bem como a voz nacional de Ralph e até mesmo a apresentadora Marimoon e o humorista Rafael Cortez, dubladores estreantes, não fazem feio nos papéis de Vanellope e Felix, respectivamente. De todo modo, a versão original ainda vale a pena, até por conta do humor e timbre particulares de John C. Riley e Sarah Silverman, que influenciaram diretamente as personalidades dos dois protagonistas. Já o 3D é facilmente dispensável, não tendo função narrativa nenhuma e poucas vezes se mostrando algo além de mera distração.

Apesar de seus problemas, a produção possui um ritmo bacana, boas tiradas, o sempre elevado padrão Disney de competência técnica e uma ambientação fabulosa, que vai deixar muito marmanjo que gastou fichas e horas em fliperamas chorando. O resultado final de “Detona Ralph” pode não fazer jus ao seu universo, mas entrega 90 minutos de diversão, até mesmo nos seus créditos.

Obs.: O longa é precedido pelo emocionante curta “O Avião de Papel”, feito primariamente em animação tradicional. Mesmo exagerando um pouco aqui e ali, esse trabalho entrega uma bela e romântica história que vale a pena ser vista. Portanto, chegue cedo ao cinema!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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