Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 06 de janeiro de 2013

A Filha do Pai (2011): romance clássico francês ganha nova roupagem

Jovem é renegada pelo pai ao engravidar de militar durante a Segunda Guerra.

Certas histórias, constantemente repetidas e copiadas, tornam-se vítimas de seu próprio sucesso. Os filmes de romance, principalmente. Certos longas não sofrem disso, por ostentarem um lugar intocável na história do Cinema. É o caso de “…E O Vento Levou”, “Casablanca” e “O Morro dos Ventos Uivantes” (só para citar alguns) que, mesmo servindo de inspiração em diversas outras produções, não perderam seu brilho quando revistos atualmente.

Em “A Filha do Pai”, dirigida, roteirizada e estrelada pelo multiartista francês Daniel Auteuil, o filme não teve a mesma sorte. Refilmagem do homônimo de 1940, dirigido e escrito por Marcel Pagnol, a obra é revisitada por Auteuil de forma teatral ao expor o conflito que se dá entre duas famílias de classes sociais diferentes em plena eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Pascal Amoretti (Auteuil) é um viúvo que vive de explodir poços em uma pequena cidade do interior do país. Sozinho e humilde, cria suas seis filhas, que são o grande orgulho de sua vida. Porém, a jovem Patricia (Astrid Bergès-Frisbey) se envolve com o rico Jacques Mazel (Nicolas Duvauchelle) e engravida, tornando-se um escândalo, principalmente para Pascal.

Menina pobre e inocente que se apaixona pelo jovem charmoso, rico e aventureiro já é um tema batido, mas “A Filha do pai” consegue extrair certa beleza em algumas de suas cenas. O primeiro encontro de Jacques e Patricia, por exemplo, em que ele, com ela no colo, a ajuda a atravessar o rio é o prólogo perfeito para uma história de amor complicada (e qual não é?). A diferença de classes já é cravada no primeiro instante, quando vemos Patricia rebatendo Jacques, que diz ironicamente ser o dono do rio.

A partir daí, os encontros dos dois se tornam mais frequentes, o que complica a situação de Felipe (Kad Merad), melhor amigo de Pascal e que traça um plano para pedir a mão da jovem em casamento. Isso ainda vai mexer com Amanda (Emilie Cazenave), a primogênita que, ainda solteira, fica à espreita diante da recusa da irmã para fisgar o coração de Felipe, personificando o típico homem feio por fora e lindo por dentro.

E nesta paisagem paradisíaca, repleta de jardins abertos, sol sempre a pino, montanhas e um vento que parece respirar junto com os personagens, “A Filha do Pai” acompanha a gravidez de Patricia que, sozinha e expulsa de casa, vai criar seu filho com a ajuda de uma tia, no exato momento em que Jacques e Felipe são convocados para lutar no front em plena Segunda Guerra, onde um piscar de olhos pode definir entre viver e morrer.

Assim, amarrando cada fio que liga os personagens, o longa retrata bem uma época, ainda machista e conservadora, infelizmente, na qual mulheres eram preteridas com relação aos homens. Pascal e suas seis garotas se tornam uma família forte e religiosa, que precisa sobreviver sem uma figura adulta feminina. E, como diz ele, ama tanto Patricia como se ela fosse um filho homem. Isso, claro, mexerá com o patriarca, que descobre que sua filha deu à luz um menino.

E nesta aura teatral, contida bem ao estilo francês, “A Filha do Pai” se desenvolve na qual honra, orgulho e ambição dividem espaço em uma trama clássica de personagens enfrentando suas angústias e medos de uma situação atípica e escandalosa para a época. Tudo isso cercado por uma direção de arte e fotografia impecáveis, em que a natureza que os cerca transpira vida e cores. E já pode-se observar a preocupação da classe alta com a imprensa como quando a mãe de Jacques (Sabine Azéma), dando vida à típica perua dramática, faz um drama infantil ao descobrir que o filho não quer participar de um evento da alta sociedade.

O roteiro, carregado de diálogos longos e profundos, em verdadeiras declamações poéticas, traz uma descrição de sensações por ora exagerada (como no momento em que Pascal diz que as palavras do pai de Jacques “brilham como sol na mobília”). Auteuil, em um personagem consumido pela vergonha do ato da filha e por um caráter próprio que lhe é motivo de orgulho, tem a melhor interpretação do elenco.

Já Astrid e Duvauchelle, como o casal principal, não oferecem maiores surpresas. Ela, com uma beleza angelical quebrada por uma sensualidade de Lolita, destoa do jeito frio e indiferente de Jacques. Isso custa ao espectador a não empatia diante da dupla, onde o romantismo exacerbado da sonhadora Patricia entra em conflito com a insensibilidade de Jacques, levando-nos a questionar os sentimentos dele pela moça. Afinal, ele ama Patricia ou simplesmente sente-se culpado diante do filho e se força a assumir uma responsabilidade que também é sua? Fica a pergunta.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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