Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Entre o Amor e a Paixão (2011): uma bela surpresa para este final de ano

Romance expõe dilema de mulher casada que se envolve com um vizinho.

É possível ter o coração dividido entre duas pessoas? Para alguns, não, pois a fidelidade e sentimento devem ser nutridos por uma única pessoa com quem se planeja passar o resto da vida. Para outros, sim, fazendo com que o coração permita a entrada de um segundo ser humano que, de certa forma, possa completar o que falta no outro.

Para a atriz, roteirista, produtora e diretora Sarah Polley, de apenas 33 anos e com um extenso currículo, a segunda opção é, sim, possível. Atriz com um currículo invejável de 55 filmes como atriz (ela estreou frente às câmeras com apenas 6 anos de idade), Polley atuou em longas como o cult “Vamos Nessa” e o emocionante “Minha Vida Sem Mim” mas foi em “Longe Dela”, seu primeiro longa metragem, que seu nome passou a chamar a atenção da mídia e público.

Estrelado pelos veteranos Julie Christie e Gordon Pinsent, a multi-artista expôs a poética e dramática história de um casal que, juntos há 40 anos, tem de lidar com o Mal de Alzheimer que acomete um deles. Agradou crítica e público, recebeu inúmeras indicações e prêmios nos mais diversos festivais do mundo e, de bandeja, duas indicações ao Oscar (Melhor Roteiro Adaptado para Polley e a quarta indicação para Christie, que ainda levou o Globo de Ouro, o National Board of Review e o Screen Actors Guild).

Em “Entre o Amor e a Paixão”, Polley volta alguns bons anos para contar a história de Margot (Michelle Williams). Aos 28 anos e casada há cinco com Lou (Seth Rogen), ela é uma mulher calejada pela rotina e por seu comportamento melancólico. Seu casamento, embora ainda ame o marido, caiu em uma rotina onde a atração física se rendeu à afinidade de dois amigos de longa data. Sem conseguir expressar suas emoções para Lou que, incapaz  de enxergar uma mulher perdida dentro de si mesma e da vida que leva, faz com que a porta esteja aberta para aquele que pode dividir o coração de Margot.

E ele chega, durante dois encontros casuais, na pele de Daniel (Luke Kirby), um homem que parece saído das páginas dos livros de Nicholas Sparks: um pintor bonito, sensual, carinhoso, aventureiro e que cria uma conexão imediata com a moça. Por pura ironia do destino (que o cinema ama beber da fonte, inclusive), Daniel é seu vizinho. Para uma atriz que interpretou Marilyn Monroe no cinema, Michelle Williams tem de arcar com as consequências do pecado morando ao seu lado.

Assim, esquivando-se como pode do rapaz, enquanto se entrega em doses homeopáticas, Margo alterna sua rotina entre sua vida de casada e os encontros fortuitos e “inocentes” com Daniel. Porém, a aproximação, claro, logo evolui para um amor impossível de ser concretizado. “Tenho medo até de ter medo”, declara Margot nas primeiras palavras trocadas com o rapaz. Assim, em um ritmo cadente e lento, a relação dos dois evolui de forma crível e particularmente poética.

Enquanto tenta se esquivar dos olhares tortos da irmã do marido, Geraldine (a ótima humorista Sarah Silverman, em um raro papel dramático), uma alcoólatra em recuperação, Margot sofre com o dilema de estar entre um sentimento incontrolável e o respeito a Lou. Neste meio tempo, se serve daquilo que sua consciência permite, sempre contando com o apoio e calma do doce Daniel.

Assim, em um filme bem amarrado, que recicla com competência os clichês de uma história amor impossível, “Entre o Amor e a Paixão” se debruça em personagens cativantes e uma delicadeza ininterrupta na qual não há vilões, ou seja, foge do estereótipo do cônjuge que merece perder  e dar a vitória ao concorrente. Aqui, a história é outra: personagens que são vítimas de seus próprios sentimentos, como sempre, incontroláveis. Por conta disso, não tarda que a relação entre ela e Lou vá ganhando ainda maior distanciamento e estranhamento mútuo.

Assim, em uma relação em que se sente vista por Daniel, que enxerga nela o que ninguém mais consegue, temos em Margot uma personagem perdida em sua própria melancolia, um descontentamento (aparentemente) sem motivos, como se fosse uma angústia interna incontrolável. Talvez se trate do próprio enigma feminino pelos olhos de Polley, sempre atenta às figuras femininas de suas obras, ou seja, carregadas de complexidade, intensidade e que são, por consequência, indecifráveis.

Com uma direção delicada e segura (que se dedica minimalistamente ao captar detalhes em movimentos inteligentes que abusam de espelhos, planos, perspectivas e nunca perdem a cadência, mesmo em seus momentos de silêncio e contemplação) Polley oferece uma obra que se apoia, ainda, no ótimo roteiro (escrito por ela) e na fotografia (fortemente carregada nas cores, como vermelho, amarelo, verde e azul, nas sombras e luzes incidentes; tudo favorecido pelas paisagens naturais do Canadá, onde foi filmado).

Apesar do epílogo forçado –porém necessário – para aparar as arestas finais, “Entre o Amor e a Paixão” conta com um ótimo entrosamento de atores e uma trilha sonora que é um deleite à parte (indo do clássico The Buggles aos vocais melancólicos de Feist e Leonard Cohen). Além disso, o longa traz situações memoráveis: a hilária cena da hidroginástica (seguida por Michelle Williams e Sarah Silverman em uma despretensiosa cena de nu frontal), o encontro no bar em que Daniel descreve – carregada de beleza  e sensualidade – uma cena de amor idealizada entre ele e Margot e quando ambos, atingindo o ápice da fuga da realidade, vão a um brinquedo em um parque de diversões. Uma bela surpresa na tela grande neste final de ano, sem dúvidas.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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