Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de dezembro de 2012

O Homem da Máfia (2012): Andrew Dominik desmistifica os gângsteres

Repetindo parceria com Brad Pitt, diretor/roteirista exibe os males causados pela crise financeira pelos olhos dos criminosos mais amados do cinema.

Esqueça a fama deixada pelos mafiosos ao longo das décadas no cinema. Os gângsteres de Andrew Dominik neste “O Homem da Máfia” são bem diferentes daqueles filmados por Francis Ford Coppola, Brian De Palma e Martin Scorsese, para citar alguns que deixaram sua marca ao dirigirem obras que exibem os “feitos” desses criminosos. Aqui eles roubam a si mesmos, choram quando apanham, viciam-se no próprio produto proibido que comercializam e têm vários problemas conjugais. Através dessa satírica e irônica descontrução de valores, o terceiro longa de Dominik deixa sua marca em um gênero recheado por obras-primas.

O personagem principal chama-se Jackie (Brad Pitt), mas antes de ele entrar em cena é preciso que um atrapalhado crime aconteça em Boston. A ação é realizada por Frankie (Scoot McNairy) e Russell (Ben Menselsohn), dois ladrões que não sabem falar de outro assunto além de suas experiências sexuais. Com luvas e armas inapropriadas, a dupla, sem muitas opções no mercado, opta por assaltar uma secreta casa de pôquer protegida pela própria máfia local. Com o objetivo de acertar contas e, principalmente, evitar uma crise financeira ainda maior entre os mafiosos, Jackie é chamado, dando início a um plano cheio de imprevisibilidades e conversas reveladoras.

“Conversas” porque “O Homem da Máfia” é um filme de diálogos e não de roubos, tiros e mortes. As cenas de ação acontecem, claro, mas os bate-papos entre os personagens possuem uma função primordial para contar e, principalmente, contextualizar esta história. Adaptado do romance homônimo de George V. Higgins, o roteiro deseja abordar a crise econômica financeira de 2008 através do olhares dos gângsteres, mostrando que até eles, os personagens mais charmosos e imponentes do cinema, podem passar por maus bocados quando o assunto é dinheiro.

No filme, vemos uma faceta desmistificada da “raça”. Sem apelar para caricaturas, armadilha em que poderia cair ao defender sua sátira, Andrew Dominik mostra-os sem a maquiagem que antes os escondia. O Russell, de Ben Menselsohn, por exemplo, é um mulherengo de carteirinha, que só sabe gabar-se de suas conquistas ou aventuras sexuais ou drogar-se sem limites, ao ponto de revelar sem querer para o inimigo o crime que cometeu. O seu companheiro de assalto, Frankie, não poderia ser mais medroso. Há também o Markie, de Ray Liotta, um chefão que chora ao levar uma surra.

Mas é o personagem de James Gandolfini, Mickey, que é o retrato mais acertado do roteiro. Contratado por Jackie para realizar um ou dois trabalhos, ele logo revela-se um alcóolatra incontrolável, daqueles que insulta com o garçom por demorar um pouco além ao trazer a bebida. É através dessa trama que o filme consegue inserir com mais eficiência uma comicidade e ironia que haviam se apresentado de maneira tímida anteriormente e que ressoam pelo restante das cenas. Entrando e saindo de cena sem fazer muito, mas “causando” mais do que qualquer outro personagem, Mickey é responsável pelos melhores diálogos da obra.

Já o Jackie de Pitt é o único gangster capaz de defender a fama que carrega. Mesmo assim, suas fraquezas ainda são óbvias, como o medo de envolver-se com a vítima ao executar alguém. Na verdade, Jackie tem muito mais uma função de costurar e unir as diversas tramas estreladas por coadjuvantes mais desastrados. Não deixa de ser, porém, mais um boa parceria entre Dominik e Pitt. Depois do bom “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford”, temos um trabalho com menos lirismo e poesia, de mais ritmo, em que o roteirista está mais objetivo, conciso, e o diretor, tão ousado quanto, tão paciente quanto.

Entre várias conversas bem escritas, Dominik também acha espaço para uma ação bem orquestrada, com planos-sequências e câmeras lentas que dão um ar moderno à narrativa. O assassinato de um dos gângsters, por exemplo, é um espetáculo à parte, unindo harmonicamente chuva, tiros e acidente automobolístico. Ele faz uma interessante escolha ainda ao dispensar a trilha incidental e optar por músicas clássicas que apenas pontuam momentos da trama.

Vacila, entretanto, ao deixar demasiadamente explícita a metáfora da história com a crise financeira, exagerando nos discursos políticos, seja de George W. Bush ou de Obama, e nos noticiários nas rádios, dando uma sensação de que está subestimando a inteligência do público. Mas o erro não compromete a ousadia de “O Homem da Máfia”, um filme que parece de gênero, mas que o desvirtua com inteligência sem o desrespeitar, mostrando que os gângsteres podem ser bem mais estúpidos do que parecem.

Darlano Didimo
@rapadura

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