Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de dezembro de 2012

A Origem dos Guardiões (2012): filme reúne lendas infantis em bela aventura

Tratando os pequenos espectadores com um respeito ímpar, a animação demonstra um respeito incrível pelas virtudes infantis, sendo capaz de encantar a todos os públicos.

Quais os bens mais preciosos de uma criança? Inocência, boas memórias, a capacidade de se maravilhar a cada nova descoberta, seus sonhos e, é claro, a capacidade de ser um tantinho irresponsável de vez em quando. É esse conjunto de qualidades que faz das crianças serem seres tão especiais. Apostando nisso, chega esse ótimo “A Origem dos Guardiões”, um dos mais diferenciados trabalhos da DreamWorks Animation até agora.

A ideia central por trás da história do filme, baseado no livro “Guardians of Childhood”, de William Joyce, não é exatamente inovadora para a DreamWorks. Ao combinar lendas “infantis” como o Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, a Fada do Dente, o Sandman e o Bicho-Papão, a companhia arriscou ecoar excessivamente a premissa de “Shrek”, que juntou diversos personagens e conceitos de contos de fadas em uma só história. O detalhe aqui é que o cerne da trama consegue dar identidade ao seu desenrolar.

Já conhecemos a equipe dos Guardiões estabelecida, formada por versões “atualizadas” das supracitadas lendas. Papai Noel, aqui chamado de Norte, maior que a vida, bonachão, tatuado e equipado com espadas gêmeas. O Coelho da Páscoa, imenso, ágil e um tanto mais sério, se deslocando por aí mais ou menos como seu parente do País das Maravilhas e tendo um bumerangue como arma. A doce Fada dos Dentes, sempre cuidadosa com suas fadinhas. E, finalmente, o baixinho Sandman que, mesmo mudo, molda com sua areia os sonhos de todos.

A despeito da fama desses Guardiões, eles são meramente coadjuvantes aqui. No longa, seguimos a história de Jack Frost, um espírito glacial jovial e moleque que tenta descobrir qual a razão de sua existência. Incapaz de ser visto pelos humanos, Jack vive uma vida solitária, afastando-se até mesmo de outras lendas. Durante uma Páscoa, Norte descobre em sua oficina o retorno de um antigo espírito do medo, o Breu (apelidado de Bicho-Papão pelos humanos). Os Guardiões, então, são reunidos para banir novamente esse mal. Mas o Homem da Lua (Oi, Méliès!) escolhe Jack como novo integrante da equipe.

No coração do filme está a jornada de Jack em descobrir não apenas os mistérios sobre o seu passado, mas para entender (e aceitar) a si mesmo, sendo os demais personagens meros elementos dessa busca. O vilão, aliás, é extremamente ameaçador e sua motivação está tematicamente afinada com a do protagonista.

Em uma visão mais geral, cada um dos Guardiões (inclusive o próprio Jack) representam, em maior ou menor grau, lados da infância que precisam ser resguardados da desesperança e do medo encarnados por Breu. No entanto, não esperem que isso seja mostrado de maneira monótona. O diretor Peter Ramsey (estreante no comando de um longa animado) e o roteirista David Lindsay-Abaire (de “Reencontrando a Felicidade”) colocam essa trama mais intimista dentro de uma frenética aventura que só para respirar em momentos reflexivos absolutamente essenciais para a narrativa.

Apresentar um universo tão interessante e se aprofundar nos personagens deste, sem jamais quebrar o ritmo da produção, são feitos incríveis por parte dos realizadores. O humor também não foi esquecido, se mostrando mais nos elementos de background, especialmente nos assistentes do Papai Noel e nas crianças que os Guardiões encontram. O visual estilizado e imaginativo daquelas lendas também tem um grande papel ao estabelecer a personalidade de cada uma das figuras que vemos em cena.

A animação é extremamente fluida e a fotografia explora com competência as diferenças entre os reinos dos Guardiões e do Breu, especialmente nas trevas deste último, sendo sensível a colaboração prestada pelo cinematógrafo Roger Deakins à produção. O visual jamais tenta ser “realista”, mas vemos os efeitos de luz e sombras reagindo de maneira extremamente natural no decorrer da narrativa, algo semelhante ao que ocorreu no recente ”Rango”.

Ressalte-se ainda o ótimo uso do 3D no decorrer da projeção, especialmente durante as empolgantes batalhas aéreas, sendo recomendável a experiência em um bom cinema equipado com a tecnologia 3D. Na trilha sonora, o versátil Alexandre Desplat completa o mergulho naquele universo, principalmente compondo uma peça central que fica marcada junto ao público como o tema dos Guardiões.

Tanto na versão original quanto na brasileira, o público estará bem servido. Algumas piadas fazem mais sentido no original, como o sotaque estranho do Papai Noel dado por Alec Baldwin e o tom australiano de Hugh Jackman ao Coelho (dando sentido à piada envolvendo um canguru), mas nada que realmente prejudique a experiência, especialmente tendo em vista que a dublagem nacional está muito bem conduzida. Aliás, a maior reclamação quanto às vozes está na versão original, com Chris Pine não convencendo em momento nenhum como o adolescente Jack Frost.

“A Origem dos Guardiões” é um belo exemplo de uma divertida aventura voltada para o público infantil que trata seu público com inteligência, além de mostrar um coração imenso em seu centro. Um filme verdadeiramente para toda a família!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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