Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 01 de dezembro de 2012

Minha Irmã (2012): filme mostra choque de gerações no gelo dos Alpes

Tensa relação de exploração e culpa entre uma jovem e um garoto.

Vencedor do Urso de Prata no Prêmio Especial do Festival de Berlim de 2012, “Minha Irmã” (L’Enfant d’en Haut, 2012), produção franco-suíça dirigida pela cineasta francesa Ursula Meier, é um filme instigante. Escrito a seis mãos por ela, Antoine Jaccoud e Gilles Taurand, acompanhamos a história de Simon (Kacey Mottet Klein), um adolescente que, durante a alta temporada de esqui nos Alpes Suíços, sobrevive com a irmã do dinheiro da renda adquirida de furtos que realiza com turistas.

Enquanto isso, Louise (Léa Seydoux) se aproveita do garoto para levar a vida regada a bebidas e noites com o namorado Bruno (Yann Trégouët). Não parando em emprego algum, ela é o retrato da exploração em uma personagem perdida diante de um segredo que envolve o carente Simon. A relação aparentemente saudável dos dois, que se perturbam como dois irmãos em uma relação saudável começa a se complicar quando as máscaras caem.

Filmado na Suíça, “Minha Irmã” tem um clima denso, pesado, tal qual o local gélido em que se passa sua trama. Neste vai e vem de furtos, Simon conhece Mike (Martin Compston), funcionário do restaurante local que o ajuda com as tramoias. Porém, Simon logo tem seu segredo descoberto e tem que se desdobrar para continuar com seu “trabalho” e assim sustentar a dupla.

Com personagens críveis, despidos de suas vaidades em situações rotineiras, acompanhamos a longa apresentação de um roteiro simples que, infelizmente, não explora com profundidade o drama a que se propõe. Meier e sua mão pesada na direção nos cansa em apresentar o dia a dia de Simon (seja sozinho ou na convivência com Louise), dando menos destaque à raiz do problema.

Vivendo em seu próprio mundo, Simon não vê maldade em seus roubos, em uma amoralidade simples, praticamente infantil. Como mesmo descreve a Mike, após ser descoberto: “Roubo para comprar comida para mim e minha irmã”. Sem a necessidade, neste caso, de discutir a questão “os fins justificam os meios”, o longa, de apenas 1h30min, ainda traz um título em português equivocado (“L’enfant D’en Haut”, em tradução livre, significa “O Garoto do Topo”). Afinal, seria mais justo e lógico destacar o papel de Simon, visto que Louise serve como mola propulsora para o que o garoto é e o que se tornou.

Solitário ao extremo e com pais que, segundo ambos dizem (e não se confirma), moram longe e são incapazes de uma relação harmoniosa com os filhos. Com uma melancolia que vai do início ao fim, Simon adota o nome Julien para se aproximar da turista Kristin (Gillian Anderson, eternizada como a agente Scully da série “Arquivo X”). De férias com os filhos, ele busca na desconhecida sua chance de algum contato e carinho maternos.

Sem aceitar esmolas, observamos em Simon – assim como na maioria das crianças – uma tentativa desesperada de chamar a atenção da irmã, de ser visto, nem que seja necessário ultrapassar a linha que separa o que é certo e o que é errado. Sem exigências, o garoto se priva das próprias necessidades básicas para comprar o amor de Louise, uma personagem completamente sem rumo, perspectivas de vida e imersa em um mundo de culpa, dor, solidão e egoísmo.

Sinceramente, não sei dizer se o distanciamento personagens/espectadores é proposital, porém “Minha Irmã” é um filme simples, rústico, sem maiores trunfos. Traz um roteiro interessante, porém mal aproveitado. É emocionante acompanhar os momentos finais de Simon, dando seus primeiros passos em direção à vida adulta de maneira forçada e sem poder contar com quem mais deveria lhe dar amor.

Sem melodramas, a dupla está correta em seus respectivos papéis e, mesmo não sendo um exemplo de carisma, é crescente a empatia criada diante do jovem Klein, que dá a Simon o toque humano que seu personagem exige, diante de uma relação na qual as arestas não são amparadas, dando lugar a um desamparo que resulta em lágrimas, silêncios e rancor. E mesmo sem um final conclusivo, o filme termina diante de um epílogo rompante, inesperado e seco, como as atitudes de Louise para com o desamparado Simon. Ao espectador, resta o gosto amargo de indignação, assim como tantos percalços da vida real.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

Compartilhe