Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Quatro Amigas e um Casamento (2012): o fundo do poço tem subsolo

Estrelado por Kirsten Dunst, longa absolutamente esquecível é grotesco do início ao fim.

Costumo dizer que existem filmes que são feitos e filmes que são cometidos. Os feitos são os bons, com qualidade mínima do que se espera em uma tela grande. Os cometidos, entretanto, são aqueles que a bestialidade de atores, diretor, produtores e/ou roteiristas permite que algo de qualidade tão pífia chegue ao grande público. “Quatro Amigas e um Casamento” entra na segunda categoria.

Dirigido e escrito pela até então desconhecida Leslye Headland (bons tempos em que ela não existia no cinema) e tendo Will Ferrel como um dos produtores, o filme acompanha a reação de três amigas de longa data, Reagan (Kirsten Dunst), Katie (Isla Fisher) e Gena (Lizzy Caplan), com a notícia que Becky (Rebel Wilson), aquela gorda e feia da turma, vai se casar. Como haveria de ser, o trio vai ao ritual do casamento (antecedido por festas e jantares) antes da noite do “sim” não para parabenizar a doce Becky, mas para achincalhar de todas as maneiras aquela que era chamada de “cara de porco” no colegial.

A rivalidade e a falsidade feminina ganham contornos grotescos, com personagens sem escrúpulo algum ansiosas para estragar o dia mais feliz da “amiga”. Fúteis, preocupadas com a aparência e transbordado problemas internos, as três passam por diversas situações que fariam ruborizar até mesmo rainhas da vergonha alheia como Geisy Arruda, Ângela Bismarchi e Nana Gouvêa, só para citar algumas.

Katie, personificada com uma mórbida expressão de psicose de Isla Fisher (repetindo, sem graça aqui, a hilária Gloria de “Penetras Bons de Bico”, que inferniza a vida de Vince Vaughn), é uma bêbada sem limite, do tipo que entorna copos e drogas com uma facilidade de dar inveja a Courtney Love para, depois, vomitar e agir estupidamente diante de qualquer pessoa.

Reagan (Kirsten Dunst, manchando fortemente seu belo currículo) é a espécie de líder do grupo que, entre palavrões em todas as frases que saem de sua boca, viaja sem o namorado (cujo rosto nunca aparece) e se envolve sem culpa com Trevor (James Marsden, talvez o personagem menos estúpido deste filme), no sentido literal da palavra “biscate”. Isso sem contar seu histórico de bulimia, que se aflora diante das comemorações.

Já Gena, encarnada pela bela Lizzy Caplan, é uma jovem mal-resolvida com o ex-namorado e grande amor de sua vida, Clyde (Adam Scott). Por ter cometido um aborto de um filho que teriam (e não ter contado com o apoio e presença de Clyde), Gena se afunda em noites regadas a cocaína, bebida e sexo com desconhecidos. A trama que ronda os dois, e é encarada de frente com o reencontro de ambos anos depois, ainda dá uma leve brisa de fôlego ao filme, mas se perde de novo em poucos minutos.

Assim, “Quatro Mulheres e um Casamento” oferece uma sequência de piadas preconceituosas, machistas e pornográficas diante de mulheres histéricas e sem senso algum do ridículo. Mais indigno é constatar que isto foi escrito e levado às telas por outra mulher, em uma espécie de “Se Beber, Não Case!” feminino, porém com maior grau de mau gosto, atitudes inconsequentes e sem pudores, com “humanos” agindo como adolescentes acéfalos.

O filme todo, praticamente, gira em todo da corrida em consertar o vestido da noiva, rasgado após duas das personagens, bêbadas, tentarem entrar nele para mostrar o quão gorda é a amiga e divulgar a foto na internet, retomando o passado que divide (especialmente nos EUA) os populares dos excluídos. É o bullying atingindo a vida adulta de personagens sem qualquer moral de conduta e que não funciona nem mesmo como comédia passageira e esquecível. Não faz rir, não acrescenta e só deixa o espectador furioso de perder 90 minutos de seu precioso tempo.

No epílogo, dedicado à corrida contra o tempo para entregar o vestido a tempo da cerimônia, “Quatro Amigas e um Casamento” ainda busca desesperadamente resgatar algum fio de qualidade, ritmo ou humor, mas só entrega mais lixo audiovisual. Afinal, como esquecer  o preconceito de Reagan (Dunst) humilhando a empregada chinesa ao chamá-la de Chinatown, a cena de duas amigas irrelevantes cantando rap no brinde do casal ou o discurso de Clyde diante de toda a festa dizendo que transou com Gena?

Um filme dispensável em sua totalidade de personagens perdidas em si mesmas que, sem um pingo de respeito (seja para consigo mesmas, seja para com os demais personagens), só oferece a clássica canção “500 Miles”, dos Proclaimers. Porém, ao invés de se submeter a tamanha falta de qualidade e dignidade, mais fácil ouvir a música e esquecer que alguéns permitiram que um crime deste tenha sido cometido  e levado aos cinemas.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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