Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 28 de outubro de 2012

007 – Operação Skyfall (2012): James Bond se mostra melhor do que nunca

Sam Mendes explora ao máximo seu ótimo elenco para equilibrar espetáculo e dramaticidade neste filme que comemora meio século de James Bond nos cinemas. O resultado é um dos melhores exemplares da franquia até o momento.

É difícil não ver em “007 – Operação Skyfall” uma rara oportunidade de reflexão na franquia, justamente no longa que comemora os 50 anos da criação máxima de Ian Flemming na telona. A meia-idade de James Bond não é mostrada apenas no mundo real, mas um ponto central da trama de sua nova aventura.

A musculatura menos desenvolvida de Daniel Craig, bem como uma barba por fazer com notáveis fios grisalhos, mostram claramente que Bond envelheceu. Nos anos que separam este filme da reintrodução do agente nos dois episódios anteriores, ele ascendeu ao posto de melhor agente do MI6 e homem de confiança de M, mas esses mesmos anos cobraram seu preço. Agora ele é visto por alguns como um ser anacrônico em um mundo onde o simples click de um mouse pode tirar centenas de vidas – direta ou indiretamente.

Mas certas situações ainda requerem o apertar de gatilhos e são nesses momentos em que Bond mostra a que veio. Após ser dado como morto ao tentar recuperar uma importante lista que caiu em mãos erradas, 007 ressurge no momento em que o cyber-terrorista Raoul Silva (Javier Bardem) aparece para acertar uma rixa com M (Judi Dench), rixa esta que coloca toda a inteligência britânica em alerta. Bond terá de superar suas próprias fragilidades e fantasmas, em uma luta cujo risco pessoal para ele nunca foi tão alto.

O público que for esperando as já aguardadas proezas impossíveis características de 007 não vai sair frustrado, mas encontrará mais do que apenas isso nos 140 minutos de projeção. O roteiro de Neal Purvis, Robert Wade e John Logan é um dos mais bem trabalhados de toda a franquia, funcionando em vários níveis ao explorar igualmente seus protagonistas e a ação, acrescentando ainda uma série de homenagens ao meio século do personagem no cinema, todas muito bem encaixadas pelo diretor Sam Mendes (“Beleza Americana”, “Estrada Para Perdição”), fã de longa data da franquia.

Neste sentido, não é exagero dizer que Daniel Craig, Javier Barden e Judi Dench são os três pilares que sustentam “Skyfall”. Sam Mendes, um magnífico diretor de atores, usa ao máximo o potencial dramático da trama e é seguro dizer que nunca o elenco de um “007” fora tão exigido. Nos seus dois primeiros trabalhos como Bond, Craig mostrou como ele evoluiu de um instrumento cego de destruição a um agente cada vez mais refinado, mas é aqui que onde ele atinge sua maturidade no papel.

Estão lá os pequenos flertes de James com a agente Eve (Naomie Harris), os respeitosos insultos trocados com um jovem e arrogante Q (Ben Whishaw) e a dose certa de ironia ao proferir os seus diálogos, mostrando que o personagem que vimos em “Cassino Royale” e “Quantum of Solace” evoluiu, tornando-se uma versão renovada e atualizada do Bond clássico, jamais uma mera sombra de seus predecessores, com o ator reconhecendo que os tempos são outros e tomando o personagem para si.

A armadura de 007, que permite que este faça seus atos sobre-humanos, ainda está lá, mas aprendemos a enxergar através dela, tornando o personagem mais humano. O Bond de Craig, o mais complexo que a sétima arte já viu, se permite um choro em um momento-chave, em um pranto que o torna mais forte aos olhos da plateia.

Em uma entrevista, Sam Mendes disse que fora bastante influenciado por “Batman – O Cavaleiro das Trevas”. Pois o trabalho de Javier Bardem é uma prova clara dessa declaração. Superficialmente, existem semelhanças claras entre os arcos de Silva e do Coringa nos seus respectivos filmes. Mas Silva não é uma mera cópia do vilão eternizado por Heath Ledger.

Assim como o príncipe palhaço do crime refletia o cavaleiro das trevas no longa de Nolan, Silva é um reflexo sombrio e insano do próprio James Bond (note o momento em que o nome real do vilão é revelado). No entanto, a loucura de Silva tem método e razão próprias e ele reconhece em Bond uma alma-gêmea, culminando em uma atração de natureza narcisista dele pelo agente.

Todas as nuances deste gênio ensandecido são passadas por Bardem através de uma deliciosa interpretação repleta de pequenos tiques, resultando em um vilão inesquecível. Ao colocar informações sigilosas do MI6 na internet, as ações Silva acabam por remeter, intencionalmente ou não, ao WikiLeaks de Julian Assange (atualmente perseguido pela justiça britânica e recluso à embaixada equatoriana na Inglaterra). Será esta a origem da cabeleira loira de Bardem no longa?

Na raiz da rivalidade entre dois antagonistas está M, magistralmente interpretada por Judi Dench, que aqui ganha um destaque imenso. As decisões tomadas pela personagem possuem um tremendo peso para a história e as consequências da luta dela por suas crenças são friamente expostas, com repercussões devastadoras para todos os envolvidos. Através de sua voz e do peso de seu semblante, Dench nos mostra muito bem como M reconhece e lida com seus esqueletos no armário, que ressurgem com as ações de Silva.

No elenco coadjuvante, temos alguns atores que tendem a retornar posteriormente na cinessérie. Ralph Fiennes surge como o chefe de M, dividindo com competência algumas cenas com Craig e Dench. Já o Q de Ben Whishaw interage de maneira divertidíssima com 007, em uma relação que deve ser mais usada em aventuras ulteriores, e a Eve de Naomie Harris se mostra a altura dos galanteios reiterados do espião.

Ainda aparecem na tela o experiente Albert Finney como o guarda-caça da propriedade Bond (e é no mínimo interessante que o ator interprete tanto o homem que recrutou Jason Bourne como o “Alfred” de James Bond) e Bérénice Marlohe que, a despeito de sua beleza, nos entrega uma Bond Girl relativamente desimportante com sua Severine, saindo tão rapidamente de cena que mal temos tempo de conhecê-la.

Mendes faz com que as cenas de ação sirvam à história, contando com a ajuda do brilhante cinematógrafo Roger Deakins para isso. Por mais que as cenas de ação sejam megalomaníacas, todas elas tem uma razão de ser na trama e Mendes e Deakins fazem com que elas explorem visualmente alguma faceta dos personagens, sendo isso especialmente verdade no infernal confronto entre Bond e Silva em um decadente castelo escocês.

Cada um dos locais visitados pelo filme tem uma identidade visual própria, com um destaque para as cenas que se passam na China, plasticamente lindas e remetendo a um clima neo-noir que muito lembra o clássico “Blade Runner – O Caçador de Andróides”. Recomendo assistir ao filme em salas digitais (de preferência IMAX) para melhor apreciação da cinematografia do longa, um trabalho de contraste entre luz e sombra simplesmente espetacular. Não é exagero dizer que os esforços de Deakins são dignos de uma indicação ao Oscar. A montagem do veterano Stuart Baird é extremamente dinâmica e faz com que as quase duas horas meia do filme passem voando.

A trilha sonora de Thomas Newman, que trabalhou com Mendes em “Beleza Americana”, se utiliza de trechos do tema clássico da franquia em momentos chaves da projeção. Um deles em especial, no fim do segundo ato, trará um sorriso de orelha a orelha dos fãs mais antigos da série, reapresentando um velho companheiro de Bond. Newman também compôs ao lado de Adele a música-tema “Skyfall” , uma canção à moda antiga que valoriza a poderosa voz da cantora. A sequência de créditos, aliás, tem a volta das belas figuras femininas, ausentes em episódios anteriores.

Costurando com maestria elementos clássicos da franquia com aqueles apresentados desde sua última regeneração em “Cassino Royale”, “007 – Operação Skyfall” reconcilia fãs antigos e novos de Bond e é uma homenagem mais do que digna para o agora cinquentão agente, que continua servindo (não tão secretamente) sua majestade com louvor. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe