Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Os Candidatos (2012): astros entregam diversão política com conteúdo

Will Farrell encara Zach Galifianakis em uma insana e divertida corrida eleitoral que surpreende por seu relevante - e universal - conteúdo político.

Assuntos sérios podem ser enfocados por olhares cômicos. Aliás, como Charlie Chaplin provou com “O Grande Ditador”, algumas vezes as mensagens políticas podem ser transmitidas melhor por meio de risadas. Não que este “Os Candidatos” chegue sequer perto do dedo mindinho da obra-prima de Carlitos, mas o princípio de ambos os filmes é basicamente o mesmo: denunciar um problema político pela comédia.

O roteiro, escrito pelo novato Shawn Harwell em colaboração com Chris Henchy (“Os Outros Caras”), mostra uma corrida eleitoral para uma cadeira legislativa entre o político veterano democrata Cam Brady (Will Ferrell) e Marty Huggins (Zach Galifianakis), sensível diretor de um centro de turismo local, que concorre ao cargo pelo partido republicano.

O bufão Brady, buscando seu quinto mandato, somente ganhou Huggins como concorrente graças à influência dos bilionários irmãos Motch (John Lithgow e Dan Aykroyd), que precisam de alguém manipulável em Washington para ajudá-los em seus “interesses industriais”, investindo então uma fortuna na campanha do ingênuo bigodudo, inclusive contratando um manipulador chefe de campanha (Dylan McDermott) para refazer sua imagem e de sua família para conquistar o eleitorado.

Acertadamente, o filme não demoniza nenhum dos partidos estadunidenses. O democrata vivido por Ferrell é mulherengo, obtuso, fanfarrão, mas conseguimos ver que, originalmente, seus motivos eram puros. E o mesmo caminho começa a ser trilhado pelo simpático Marty, cujos desejos são agradar ao pai draconiano (Brian Cox) e preservar sua cidade.

Tanto Galifianakis quanto Ferrell usam suas personas cinematográficas já conhecidas para tornar seus respectivos personagens mais familiares. Este último costumava fazer ótimas caracterizações de George W. Bush em seu período no “Saturday Night Live”, tornando-o para o público uma figura politicamente tarimbada, de certo modo.

O comediante, então, utiliza-se dessa “vantagem”, incorporando alguns maneirismos de Bush Jr. em sua caracterização – embora alguns traços de Clinton possam também ser vistos em sua atuação. Galifianakis, por sua vez, não foge muito do tipo “esquisito e lento, mas adorável” que o marcou após o primeiro “Se Beber, Não Case!”. Não é um trabalho dos mais originais, mas é bem executado. Os dois são fenomenais no humor físico e possuem uma ótima química em cena, o que eleva o resultado final.

O que desvia os dois protagonistas de suas intenções originais é o próprio jogo político, encarnado pelos Motch. Na terra do Obama, as doações milionárias aos políticos são permitidas. Mas fica óbvio que essas verbas são, na verdade, compras de parlamentares por parte de interesses particulares. Lembra alguma coisa? Por mais que os sempre ótimos Lithgow e Aykroyd transfiram aos vilões certa leveza, identificamos em suas caricaturas os bandidos que vivem no mundo real, seja nos EUA ou no Brasil.

Apesar de o humor do filme ser extremamente non sense, o diretor Jay Roach se utiliza de recursos visuais que fixam a história em um mundo que possamos reconhecer, algo importantíssimo para o desenvolvimento da trama. Deste modo, vemos as reações de comentaristas políticos da CNN quanto a insanidades como Brady socando um bebê e acabamos por engolir tais absurdos.

O exagero no desenvolvimento das duas campanhas e da atuação dos lobistas é usado como ferramenta para brincar com uma triste e cínica realidade, especialmente ao lidar, de maneira bastante direta, com a polarização do eleitorado e a leniência das leis eleitorais americanas, sendo uma pena que o longa acabe por empregá-lo de maneira extremamente artificial em seus últimos momentos, justamente para forçar uma conclusão moralmente satisfatória, mesmo quando a própria narrativa reconhece que isso seria impossível.

Contando ainda com pontas de ótimos cômicos como John Goodman e Jack McBryar, esta verdadeira reunião de astros da comédia não apenas gerou um longa tremendamente divertido, como também é uma obra politicamente relevante. Em um mundo no qual a política é encarada como farsa por boa parte das populações das grandes democracias, nada como um pouco de farsa política para criticá-la.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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