Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 11 de setembro de 2012

O Monge (2011): religioso do século 17 é dominado pelo pecado

Fé e desejo são questionados em longa protagonizado por Vincent Cassel.

“Satanás tem o poder que eu admito”. Com estas palavras, proferidas a um fiel que está no confessionário, o monge Ambrósio (Vincent Cassel) entrega o começo de sua saga como religioso no longa francês “O Monge”, dirigido pelo cineasta alemão Dominik Moll, duas vezes indicado à Palma de Ouro em Cannes e vencedor do César em 2001 por “Harry, Um Amigo ao Seu Dispor”.

Na trama, baseada no romance de Matthew G. Lewis e adaptada pelo próprio Moll e pela atriz e roteirista Anne-Louise Trividic , acompanhamos a vida do monge no século 17. Abandonado ainda bebê em frente a um monastério, o garoto entra para a Ordem aos 18 anos e se torna um exímio representante de Deus, proferindo sermões vigorosos e acalentadores.

Porém, a sensibilidade de Ambrósio diante das forças sobrenaturais pressente que dias de trevas estão por vir. Com uma fé, inicialmente, inabalável, o religioso terá sua vida modificada com a chegada do misterioso Valério (Déborah François), um jovem que usa uma máscara pela impossibilidade de mostrar seu rosto por conta de um suposto incêndio que sofreu. Seu interesse pelo monge dá início às trevas previamente anunciadas.

Atormentado por um sonho que se repete constantemente, Ambrósio se vê diante de uma mulher vestida de vermelho frente a uma cruz, porém nunca consegue ver seu rosto e/ou tocá-la. É a anunciação que o liga à bela e doce Antonia (Joséphine Japy), prestes a se casar com o jovem Lorenzo (Frédéric Noaille). Ela, tocada profundamente pelas palavras do beato, traz em si a pureza perdida em uma humanidade consumida pelos desejos da carne.

Tais tentações não são imunes nem mesmo à noviça (Ernst Umhauer), que se apaixona por um homem, engravida e terá de sofrer duras penas impostas pela abadessa, a superiora do mosteiro de religiosas, em participação especial da sempre ótima Geraldine Chaplin. No seu dia a dia de sermões, com crises de dores e questionamentos da fé – tanto próprias como dos fiéis –, Ambrósio acaba por acalentar aqueles perdidos em seus questionamentos diante de Deus.

Ao descobrir o grande segredo escondido por Valério, o religioso acaba por deixar-se levar pela fé fragilizada e se embrenha em um redemoinho de mentiras e tentações, rodeados por tragédias que vão dar cabo de sua missão como representante de Deus na Terra. Nesta angústia entre fé que se digladia com sua humanidade, Ambrósio não tem a força necessária e admite que o pecado o consuma.

Com uma discussão da fé de forma sombria e por ora mórbida, “O Monge” discute o pecado da carne de forma mística, em um personagem que transita entre o terreno e o celeste, carregado de clima denso e angustiante. O alívio ao espectador só vem nos momentos que envolvem Antônia e Lorenzo, em uma representação da beleza do amor e da juventude, em takes de fotografia recheada de poesia e luz. Para Ambrósio, restam as sombras carregadas de tons de marrom e preto.

A direção e edição, embora abusem de cortes secos que incomodam o andamento do ritmo lento de longos planos, ganham pelas locações de construções pétreas grandiosas (o longa foi filmado nos municípios espanhóis de Aiguamúrcia, Almeria e Girona, além de Madrid e Navarra). Com belas paisagens, a fotografia de Patrick Blossier se apoia em imagens que remetem a passagens bíblicas, com luz incidente e forte presença da natureza. O jardim que Ambrósio se refugia nos momentos de dor, inclusive, é uma clara referência ao épico Jardim das Oliveiras, onde Jesus e os apóstolos se recolheram para orar na noite anterior à crucifixão (nada mais propício para um fiel em intrínseca sensação de calvário interior).

Com inúmeras reviravoltas, “O Monge” se apressa em dar conclusão a algumas delas que, felizmente, não prejudicam em todo o resultado final. E neste constante clima denso e sombrio, realçado pela trilha sonora competente de Alberto Iglesias (inclusive de cantos gregorianos), acompanhamos Ambrósio diante da perdição em rumos incontornáveis, temendo pela própria alma diante do que o destino e forças superiores lhe reservam.

“O Monge”, que poderia cair no lugar comum ou se perder em sua temática, tem em Vincent Cassel a vida e alma de um personagem complexo. De olhos extremamente expressivos, o ator transmite toda a pureza, dor, medo, sensualidade e tantos outros estágios percorridos por Ambrósio até seu destino final. Além disso, sua semelhança com a figura de Cristo – como a conhecemos – é espantosa, o que fica ainda mais evidente na marcante cena em que coloca em si mesmo, diante dos fiéis,  uma coroa de espinhos como forma de autopunição. O filme está longe de ser considerado uma obra-prima, mas vale dar uma conferida.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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