Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 12 de junho de 2012

Deus da Carnificina (2011): adaptação mediana comandada por Roman Polanski

Kate Winslet, Jodie Foster, Christoph Waltz e John C. Reilly estrelam filme que preserva genialidade de texto original, mas que é cinematograficamente pobre.

Está se tornando cada vez mais comum peças teatrais consagradas ganharem sua versão cinematográfica. Afinal, a liberdade inerente ao mundo do teatro permite a realização de obras originais, as quais acabam fascinando produtores e roteiristas ainda comprometidos com um cinema de qualidade, mas artisticamente limitados. As últimas destacadas adaptações têm se caracterizado pela preservação da qualidade do texto original, como “Tudo pelo Poder” e “Frost/Nixon”, enquanto outras acabam reféns de seu próprio formato original, resultando em obras de inegável conteúdo, mas tecnicamente pobres, como é o caso do recente “Dúvida” e deste “Deus da Carnificina”, filme que nem parece contar com a direção do renomado Roman Polanski.

Adaptação da criação da francesa Yasmina Reza, que divide a realização do roteiro com o próprio Polanski, o longa não poderia ter uma história mais simples. Uma agressão física por parte de um garoto acaba levando os pais deste, Nancy (Kate Winslet) e Alan (Christoph Waltz), ao encontro dos pais da vítima, Penelope (Jodie Foster) e Michael (John C. Reilly), um outro rapaz da mesma idade. O que deveria ser uma básica conversa de conciliação, porém, se transforma num bate-papo acalourado em que a vergonha, a educação e o respeito aos códigos morais são deixados de lado minuto a minuto.

E minuto a minuto fica cada vez mais evidente a genialidade do trabalho textual de Reza e Polanski. Eles sabem como criar situações que sempre soam naturais e, porque não, familiares que fazem com que o filtro social, que impede agressões verbais entre os casais, seja gradualmente dissolvido. Daí resultam as mais infantis discussões que acabam revelando a real natureza destes quatro complexos personagens. O evidente descomforto, devido a presença de desconhecidos, logo é substitído por um cômico e maldoso comforto, que permite maltratar visitas e anfitriões.

Sem criar vilões nem heróis, o roteiro dá a Nancy, Alan, Penelope e Michael doses acentuadas  de defeitos, com os quais certamente o espectador se identificará em sua privacidade. Alguns deles proporcionam o embate entre casais ou até mesmo entre marido e mulher. De Alan, vem o machismo e a autoconfiança que não aceita acusações, somadas a uma mania irritante de falar ao telefone. De Nancy vem a passividade e o estômago frágil, assemelhando-se à personalidade inicial do também insensível Michael. Já Penelope traz o dom de proteção decorrente da maternidade, além de uma frustração afetiva perceptível. Unidas, essas características, que poderiam pertencer a quaisquer pessoas do planeta, resultam em uma bela representação do egocentrismo da sociedade atual.

O problema é que o incrível texto de Yasmina Reza pertence unicamente ao teatro, e Roman Polanski parece não se esforçar para fazer diferente. Passada quase que integralmente na sala de estar do apartamento de Penelope e Michael, a trama torna-se maçante, sem ritmo. Não há nem mesmo uma trilha sonora, limitada a introdução e desfecho do filme, únicos momentos em que se vê um cenário além do apartamento. A opção por dar à história um tempo real, sem grandes interrupções, também piora a sensação de estarmos vendo um teatro filmado.

O mesmo não se pode dizer da direção de atores. O quarteto de peso faz juz aos nomes e prêmios que já receberam (dentre eles, Oscars) e transformam esse jogo de egos numa divertida brincadeira com doses de seriedade. Os diálogos inspirados são um prato cheio para o talento de Winslet, Waltz, Reilley e, especialmente, de Foster, a melhor do elenco. Pena que suas atuações sejam em prol de um longa de conteúdo inigualável, mas de formato que permanece teatral. “Deus da Carnificina” pode até lembrar “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, mas, no quesito relações humanas, Polanski ainda tem muito a aprender tecnicamente com Mike Nichols.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

Darlano Didimo
@rapadura

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