Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 02 de junho de 2012

Apenas uma Noite: um maduro e subestimado romance

Em sua estreia como diretora, a iraniana Massy Tadjedin entrega um filme envolvente e simples sobre amor, respeito e os segredos de um casamento.

Uma mistura do recente “Namorados Para Sempre” com “Closer- Perto Demais” e com um toque todo particularmente seu. O subestimado “Apenas uma Noite”, que foi lançado ainda em 2010, trata os relacionamentos afetivos com a mesma sobriedade dos dois filmes citados. Mas se falta um pouco de originalidade em sua narrativa, sobra em intensidade, profundidade e maturidade. Escrito e dirigido pela iraniana Massy Tadjedin, o longa se revela uma grata surpresa endossada por atores renomados que sabem como aproveitar a qualidade desse delicado roteiro sobre amor, sexo, casamento e traição.

Keira Knightley e Sam Worthington interpretam, respectivamente, Joanna e Michael, um casal desde a época de faculdade que, depois de algumas idas e vindas, está casado há três anos. Tudo parece estar bem entre os dois, até que estranhos olhares por parte da companheira de trabalho do rapaz, a bela Laura (Eva Mendes), geram desconfiança em Joanna, principalmente pelo fato de ambos irem fazer juntos, no próximo dia, uma viagem de trabalho. Michael, porém, aparenta resistir às investidas da moça. O mesmo não pode ser dito de sua esposa que, em seu dia de solidão em Nova York, acaba reecontrando um antigo namorado, Alex (Guillaume Canet), alguém por quem ela ainda nutre algum sentimento que não consegue esconder.

Fugindo de maniqueísmos e vícios de filmes românticos, especialmente no que se refere à união do casal principal, o filme está sempre em busca da universalização da nova experiência vivida por essas quatro pessoas. Sim, o roteiro de Tadjedin (que escreveu “Camisa de Força”) também abre espaço para que conheçamos os companheiros do dia de Michael e Joanna. E dessa forma permite que a imprevisibilidade seja uma das características mais marcantes de “Apenas uma Noite”. Como resistir ao amor recluso durante anos que agora tem a oportunidade de revelar-se? Como resistir aos desejos da carne e se entregar ao proibido? Com diferentes abordagens e “tentações” nos dois núcleos que desenvolve, a película desvela as fragilidades de um casamento.

Com inteligência e cuidado, principalmente devido ao pouco tempo de tela repartido pelos dois personagens principais, a diretora consegue fazer dessa união algo crível compartilhada por duas pessoas ainda jovens, sem total segurança de que pertencem um ao outro, ainda com frescas lembranças das gostosas aventuras adolescentes. Chegam até a revelar poucas dessas dúvidas para o companheiro(a), mas a maioria delas segue guardada para si mesmo, assim como permanecerá essa atípica noite, ainda que os olhares, ao voltarem a se cruzar, saibam que algo aconteceu.  No entanto, respeitam-se e amam-se acima de tudo. E é exatamente esse respeito e amor que são colocados em questão quando a vontade de romper, mesmo que temporariamente, com os padrões morais insiste em aparecer.

Outro ponto forte do script é saber expor as particularidades de cada personagem, nunca esquecendo de humanizá-los. O tímido Michael é incapaz de enconder a insegurança ao ver Laura insinuar-se quase despida em sua frente. Já Joanna não consegue fingir o brilho no seu olho que surge ao esbarrar, por acaso, com um antigo e inesquecível amor. E com eles repartem os mais interessantes diálogos, cheios de confissões sobre suas vidas afetivas, assuntos que aparentemente são tabu em prol da manutenção de um matrimônio saudável, que deseja ser longínquo.

O trabalho estupendo do elenco colabora também para a sensação de familiaridade e identificação com as experiências vividas por eles. Se Worthington (em performance que demonstra sua capacidade para além dos blockbusters) e Knightley possuem uma química inegável, a atriz divide com Canet as cenas mais românticas de todo o filme, compondo um casal apaixonante e, ao mesmo tempo, juvenil, que possivelmente não resistiria ao tempo. Já Eva Mendes é responsável pela personagem mais unilateral, em um dos poucos deslizes do roteiro. Em suma, sobra sensualidade e falta lucidez a essa mulher inebriada pelo companheiro de trabalho.

Em termos técnicos, o longa destaca-se por uma montagem esperta que sabe como dividir a atenção entre os dois núcleos existentes, além de permitir analogias e insinuações sobre as diferenças e semelhanças no dia secreto destes personagens. Não falta também ritmo à edição, por mais que a maioria das cenas possua um tom melancólico e exclusivamente romântico. Massy Tadjedin utiliza-se muito bem da trilha minimalista composta por Clint Mansell que colabora com uma intensidade constante, bem como com uma delicadeza rara, que também ajuda a definir “Apenas uma Noite”, um filme que merece ser descoberto pelos que adoram um romance com um pouco menos de açúcar e mais de realidade.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

Darlano Didimo
@rapadura

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