Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Corvo: morte de Edgar Allan Poe resulta em fraco suspense

Por mais bem intencionado que seja esse longa ao homenagear um autor reverenciado e influente ainda nos dias de hoje, embora pouco conhecido do grande público, é impossível negar que o resultado é deveras falho.

A ficcionalização de figuras históricas é algo comum no cinema. Em 2011, Woody Allen o fez em “Meia-Noite em Paris”, nos mostrando versões caricaturais de artistas da belle epoque parisiense, com o filme aproveitando para brincar com as obras dos grandes nomes que retratava. No mesmo sentido, nos chega “O Corvo”, comandado por James McTeigue (“V de Vingança”), lançando mão dos últimos dias de vida do escritor Edgar Allan Poe, que já nos é mostrado morto nos primeiros trinta segundos de projeção, inserindo-o em uma trama de assassinatos baseados em sua bibliografia.

No roteiro dos pouco conhecidos Ben Livingston e Hannah Shakespeare, um problemático e falido Poe (John Cusack) vê suas tramas sendo utilizadas como inspiração para assassinatos perpetrados por um maníaco, trabalhando ao lado do dedicado Inspetor Fields (Luke Evans) para solucionar os crimes. A situação piora quando sua amada Emily (Alice Eve) é sequestrada pelo louco, colocando o atormentado Edgar em um jogo de gato e rato com o criminoso.

A dupla de roteiristas planta diversas referências à obra de Poe e ao menos tenta ser uma justa homenagem ao poeta. Interessante notar que uma das primeiras vítimas do maníaco é Griswold (John Warnaby), um dos maiores críticos do autor e que, na vida real, escreveu um nada elogioso epitáfio e uma pouco agradável biografia de Poe, biografia esta que é parcialmente aproveitada por Livingston e Shakespeare ao mostrar certos desvios de caráter do protagonista, mesmo que estes tenham sido negados posteriormente.

A morte de Griswold, logo no começo da projeção, também mostra algo sobre a proposta do longa: este não tem a menor intenção de seguir fielmente os derradeiros dias de Edgar Allan Poe, se aproveitando apenas de certos elementos históricos para montar sua narrativa, tentando criar uma trama detetivesca digna do homenageado em uma realidade alternativa fictícia.

Uma boa história de detetive oferece ao público pistas que tornam sua resolução factível, fazendo com que o público se interesse pelo mistério e tente desvendá-lo junto aos heróis. O que temos em “O Corvo” é um arremedo de situações que tentam criar cenas tensas, culminando em uma solução extremamente exagerada e que, em uma revisão da película, não faz o menor sentido, matando a produção.

Aparentemente reconhecendo a fragilidade da trama, James McTeigue investe em algumas sequências visualmente chocantes, tentando distrair o público dos rombos no roteiro. Mesmo a inteligência dos roteiristas em lançar uma boa pista logo no primeiro ato não merece ser reconhecida pela forma que o policial se dá conta dela posteriormente. Sem contar uma cena da produção que insulta o espectador ao copiar uma sequência descaradamente “Kill Bill – Vol. 2”, com a desvantagem do personagem em questão não ter tido treinamento do mestre Pai Mei para justificar o ato.

Mesmo a estética utilizada por McTeigue também não merece muitos elogios. A despeito de boas transições e alguns planos mais interessantes, a direção de fotografia falha em nos mergulhar na atmosfera mais sombria que o longa pede. Ademais, a insistência do cineasta em jogar sangue na cara da plateia já seria irritante se a fita se utilizasse da tecnologia 3D, sem ela se torna irritante e inútil.

É uma pena que o filme desperdice o ótimo John Cusack, cuja persona cinematográfica se adéqua perfeitamente a Poe. A versão do escritor proposta pela película é interessante e o carisma de seu intérprete, aliados a sua insistência e teimosia, conquistam a audiência e fazem com que seu mal explicado romance com a bela Emily quase funcione. Isso porque vemos muito pouco de Cusack atuando ao lado de Alice Eve antes que ela seja sequestrada, portanto não conseguimos nos importar com o destino de um casal que mal conhecemos.

Enquanto Luke Evans não tem muito o que fazer com seu Inspetor Fields, o talentoso Brendan Gleeson é desperdiçado em um papel ingrato do pai superprotetor mais obtuso do mundo, além de ser usado como muleta narrativa e emocional no último terço da projeção.

Todos esses problemas transformam “O Corvo” em um exercício cinematográfico pobre e frustrante, principalmente por usar uma figura tão marcante como Poe e incidentes tão dramáticos como as circunstâncias de sua morte em prol de uma história mais do que esburacada. Nunca mais!

“E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
‘Tens o aspecto tosquiado’, disse eu, ‘mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.’
Disse o corvo, ‘Nunca mais’”.

Trecho do poema “O Corvo”, escrito por Edgar Allan Poe e traduzido por Fernando Pessoa.

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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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