Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de maio de 2012

O Que Eu Mais Desejo: sincero retrato da separação pelo olhar de um garoto

Drama japonês trata com beleza e poesia história de dois irmãos separados após o divórcio dos pais

Da safra recente do cinema oriental, lembro-me de ter ficado encantado com o japonês vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro “A Partida” e o sul-coreano “Poesia”, que tratam de temas como a velhice, a morte e a redescoberta da vida. Em um novo exemplo do cinema daquele outro lado do mundo, estreia “O Que Eu Mais Desejo”, escrito e dirigido pelo cineasta japonês Hirokazu Kore-eda.

Separados pelo divórcio dos pais, acompanhamos a vida de dois garotos. Enquanto o primogênito, doce e tímido Koichi (Koki Maeda), de 12 anos, ficou com a mãe e os avós em Kagoshima, Ryu (Ohshirô Maeda) ficou em outra cidade com o pai, um músico que gasta seu tempo mais preocupado em passar seus dias ensaiando para seu retorno aos palcos do que, propriamente, cuidar do menino.

A cidade em que está Koichi é ameaçada por um vulcão que tem poluído o local com suas cinzas e que vive na iminência de uma explosão capaz de disseminar toda a população, enquanto Ryu aproveita uma vida mais onírica, com direito a frutas colhidas na horta e tudo o mais.  Na rotina à distância, vemos os dois compartilhando suas vidas, separados por um infortúnio da vida dos adultos.

Enquanto o introvertido Koichi preenche seu tempo entre as aulas de natação, a fixação em doces e o tempo de ser criança com dois amigos do colégio, Ryu é o oposto do irmão mais velho, com seu jeito popular e levado junto a três fiéis amigas. Nessa infância, Ryu e Koichi compartilham seus medos, passam por ciúmes e reflexões sobre temas como separação, orfandade e medo, principalmente Koichi, que acredita na erupção total do vulcão. Muitas vezes, até a deseja para que possa, assim, ter de sair da cidade e voltar a morar com o irmão.

“O Que Eu Mais Desejo” prima pela delicadeza de seus personagens cativantes, onde a distância e a frieza dos orientais ganham contornos de uma nação alegre e calorosa, mostrando um povo real, com defeitos, que foge de toda aquela pompa de um país rico, expondo uma classe média baixa que não precisa de muito para ser feliz.

Quando um dos colegas diz que, se fizerem um pedido quando os vagões de um novo trem bala se cruzam em outra cidade, o pedido se realizará, as crianças, que anseiam por mudanças em suas vidas, decidem se encontrar e testar se a lenda é verdadeira ou não. Na viagem, a reunião dos dois grupos fará com que Koichi e Ryu se reencontrem e que se descubram como crianças em seus atos e questionamentos.

Extraindo beleza de coisas simples – assim como as crianças o fazem – “O Que Eu Mais Desejo” traz belas cenas, em um filme despretensioso, mas que retrata, em espécie de road movie, personagens com um objetivo em comum, lembrando o clássico “Conta Comigo”, em uma demonstração de amizade e primeiros passos à vida adulta. Ou, melhor dizendo, uma entrada com pequenos pés no universo da maturidade.

Nesta ânsia de viver e contando com personagens adultos que servem como cúmplices das travessuras dos pequenos, especialmente na figura dos adoráveis avós, o filme pincela, com competência, os dramas paralelos das outras crianças. Por mais que não sejam aprofundados, criam empatia com o espectador, seja na figura da mãe negligente que não acredita no potencial da filha, seja na primeira experiência direta com a morte (em uma mistura de humor negro e drama não apelativo). Definitivamente, um retrato singelo e despretensioso de como lidar com problemas reais no onírico universo infantil.

Com uma ótima trilha sonora, um bom roteiro e uma direção competente, “O Que Eu Mais Desejo” preza, ainda, pelo ritmo, que prende a atenção do espectador e nos faz reviver pelo olhar de Koichi os (não tão) áureos tempos de aventuras entre amigos e as tentativas de compreensão das atitudes dos mais velhos. E nesta nostalgia de uma época única, a amarga doçura da meninice nos revela que decepções surgem para dar lugar, aos poucos, à vida adulta. Imperdível; e isso vale  tanto para crianças como para adultos.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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