Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 11 de março de 2012

John Carter (2012): boa aventura adapta clássica franquia literária sci-fi

Em sua estreia no mundo do cinema live-action, diretor de Wall-E entrega um filme que, embora tenha seus defeitos, diverte e cumpre seu papel de nos apresentar a um mundo exótico e cheio de perigos.

A maioria do público não deve ter ouvido falar em John Carter até ser bombardeado pela máquina de propaganda da Disney. No entanto, o DNA da história concebida por Edgar Rice Burroughs em 1912 pode ser visto em obras como “O Senhor dos Anéis”, “Star Wars” e, mais recentemente, em “Avatar”. Ou seja, não estranhe a sensação de deja vu que pode ser experimentada durante a projeção de “John Carter – Entre Dois Mundos”.

A trama acompanha o protagonista-título (Taylor Kitsch), um derrotado ex-soldado sulista da Guerra Civil norte americana que é misteriosamente transportado para Marte (ou Barsoom, como é chamado pelos nativos). Lá, ele descobre que aquele planeta está passando por sua própria guerra interna, capitaneada pelo cruel Sab Than (Dominic West). Preso em um mundo que não entende, Carter acaba encontrando um novo motivo para lutar ao conhecer a princesa Dejah (Lynn Collins), oferecida em casamento para Than com o objetivo de acabar com os conflitos. No entanto, existem mais lados nesse conflito do que ele pode imaginar.

O longa é o primeiro projeto live-action do cineasta Andrew Stanton (“Wall-E”, “Procurando Nemo”), trabalhando aqui como co-roteirista e diretor. Lidando com personagens que se tornaram arquétipos e situações hoje chavões da ficção científica, Stanton teve de pisar em ovos para não tornar seu filme previsível para as plateias contemporâneas e, ao mesmo tempo, não desagradar os fãs da obra original.

Destarte, algumas adaptações foram feitas para acelerar o andamento da trama e dar um pouco mais de identidade ao filme. Do mesmo modo, prestando homenagem à estrutura de “Uma Princesa de Marte”, o próprio John narra os acontecimentos em Marte por meio de um diário, lido por um jovem Ned Burroughs (Daryl Sabara), com o lendário autor representando os olhos da plateia.

O John Carter vivido por Taylor Kitsch é um homem bem mais amargurado que sua versão literária, com as perdas sofridas por ele durante a guerra da secessão deixando marcas que perduram por boa parte da projeção, e se sai bem ao mostrar esse lado mais humano de John e também não deixa a desejar nas cenas de ação. Seu envolvimento com a princesa marciana se desenrola de modo bastante divertido, embora um tanto acelerado.

Lynn Collins, que vive Dejah, possui uma boa química com Kitsch, compensando a velocidade do enlace. A atriz também convence quando tem de entrar em ação, embora toda vez que ela entra em cena é difícil não vê-la como uma princesa da Disney (o que não é necessariamente algo ruim). Willem Dafoe e Samantha Morton surgem em cena de modo bem diferente, vivendo, em motion capture, os marcianos verdes Tars e Sola, grandes aliados de Carter em sua estadia em Marte. Dafoe, com sua voz carismática, sempre rouba a cena como o expansivo líder alien.

O diretor, quando da escolha do elenco coadjuvante, intencionalmente ou não, escalou nomes que estão ligados diretamente aos papéis que interpretam. Assim, se torna interessante ver Ciarán Hinds e James Purefoy como um líder de estado e seu general, sendo feito um link quase que imediato com as versões de Julio César e Marco Antônio que viveram em “Roma”, ou dar de cara com Dominic West como um vilão traiçoeiro, tal qual em “300”.

Por falar em vilões, esse é o grande calcanhar de Aquiles da produção. Os diversos antagonistas ali apresentados ou não são muito carismáticos ou têm pouco tempo de cena ou são pouco desenvolvidos para serem melhor explorados em continuações vindouras. Assim, não temos nenhum investimento emocional naqueles personagens e faltam motivos para desgostar deles, além do fato que estão no caminho do herói. Isso complica excessivamente o andamento da produção, enchendo-a de personagens e subtramas desnecessárias que jamais chegam a ser bem trabalhadas.

Mesmo no caso de Sab Than, que seria o tirano que causou o declínio de Marte, logo na introdução da fita vemos que ele é subserviente a outra figura, o dúbio Matai Shang, vivido por Mark Strong. Por mais que Strong tenha uma ótima presença de tela e West deixe um tanto a desejar, as intenções de Shang são tão pouco ilustradas que não dá para sentir nada em relação a ele e sua presença acaba tirando o foco daquele que deveria ser o “grande rival do mocinho”.

Stanton dá bastante energia às cenas de ação, com estas se utilizando muito bem das habilidades que Carter ganha em solo marciano, graças à gravidade mais fraca. Tais sequências são beneficiadas pela bela trilha de Michael Giacchino, especialmente na emocionante batalha da planície. Merecem destaque também as batalhas envolvendo as embarcações aéreas, com alguns momentos parecendo ter vindo diretamente de “Capitão Blood”.

O visual exótico criado para os diferentes reinos de Barsoom, bem como o conceito de embarcações que navegam na luz são utilizados de maneira impressionante, em um exemplar trabalho da equipe de direção de arte. A fotografia, remetendo à clássicos westerns em paisagens quase sem fim, também contribui para o banquete visual proposto e reforça o caráter atemporal da obra.

O filme é apresentado em 3D convertido e, embora tais conversões geralmente não sejam bem sucedidas, o trabalho aqui apresentado é bem acima da média. A ressalva, novamente, vai para as cenas em ambientes escuros que, por conta dos óculos, acabam mergulhadas em um desnecessário breu que atrapalha a experiência cinematográfica.

“John Carter – Entre Dois Mundos” é um belo exemplar de ficção científica à moda antiga que funciona bem tanto para quem nunca tinha ouvido falar do personagem, tanto para os já iniciados. Não é um filme que mudará a história do cinema e tem sua dose de problemas, principalmente em sua montagem excessivamente truncada, mas cumpre bem o seu papel.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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