Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de abril de 2012

Diário de um Jornalista Bêbado: longa adapta obra de Hunter S. Thompson

Sensualidade, ironia e muita bebida permeiam filme irregular sobre jornalista americano nos anos 60.

Independente da opinião diante da franquia “Piratas do Caribe”, é inegável o talento de Johnny Depp que, como o beberrão Jack Sparrow, criou o personagem mais marcante de sua carreira. Em “Diário de um Jornalista Bêbado”, baseado no romance homônimo do norte-americano Hunter S. Thompson, ele vive Paul Kemp, um escritor ianque dos anos 60 que, por conta de seu atual bloqueio criativo, se afunda em um jornal em frangalhos em plena capital do Porto Rico, San Juan. Lá, mantém uma coluna sobre horóscopo, em uma analogia sobre a decadência de um homem que se sente amputado de seu talento.

Entre bebedeiras homéricas e ressacas constantes, Kemp é pressionado pelo temperamental editor-chefe Lottermann (Richard Jenkins), um homem que vê no jornal um fardo a ser carregado apenas como benefício. Na redação, Kemp se torna amigo de Bob Sala (Michael Rispoli) e logo se aproxima de Moburg (Giovanni Ribisi), um jornalista cujo cérebro, corroído pelo álcool, lhe deu status – e aspecto – de um louco farrapo humano.

Ele ainda mantém relações profissionais com Lotterman, que usa de todas as artimanhas para manter contatos convenientes para o jornal. Há lugar, ainda, para o milionário Hal Sanderson (Aaron Eckhart), um homem ambicioso cuja bela noiva Chenault (Amber Heard) logo chamará a atenção de Kemp. A situação se complica ainda mais quando o jornalista aceita colaborar com Hal em um trabalho cujas intenções são para lá de duvidosas.

Rodeado pela tropicalidade do Porto Rico e pelo rum (cujo título da obra em tradução literal é “O Diário do Rum”), Kemp vai transitar entre os conflitos na redação, o perigoso esquema de Sanderson, a irresistível Chenault e as noites – e dias – regados a álcool com Sala e Moburg.

Dirigido sem grandes inovações por Bruce Robinson, que também assina a adaptação do roteiro, “Diário de um Jornalista Bêbado” é um passatempo divertido e despretensioso, recheado de cinismo e ironia e um bom timing para comédia, elementos que permeiam boa parte do longa. E nesta dualidade, expõe com humor a natureza inescrupulosa de seus personagens.

Considerado a única esperança no jornal, Kemp é a personificação do sonho americano vendido a preço de banana. Assim, onde tudo tem um valor a ser pago, o longa pincela a questão da decadência de um jornalismo que não é levado a sério, se vende, com falhas e falência. Ainda mais em se tratando de um período delicado na História (Guerra Fria, combate ao comunismo, o fim da Segunda Guerra como ferida recente, racismo), “Diário de um Jornalista Bêbado” se esforça em criar uma obra de qualidade, mas a mistura de gêneros (noir, comédia, pitadas de romance) se perde na mão e acaba por resultar irregular.

Até mesmo a crítica social atira para todos os lados: seja no lado ambicioso, fracassado e alcoólatra dos norte-americanos, seja no retrato dos porto-riquenhos, pintados como ignorantes, violentos e encrenqueiros. E, nesta convivência, observamos a semente de um mundo díspar, capitalista e globalizado que já mostrava fortes sinais e que se intensificaria com o final da Guerra Fria em mansões e periferia sobrevivendo lado a lado, tal como é até hoje.

Com um ótimo uso das cores quentes e da paisagem litorânea e direção de arte bem trabalhados, o longa consegue prender a atenção do espectador com qualidade técnica, que se perde em certas resoluções do roteiro. Mesmo se estivesse contida na obra escrita nos anos 60 e publicada quase 40 anos depois, em 1998, certas escolhas não ficaram confortáveis na tela grande, como a cena do sofrível ritual de magia protagonizado por uma feiticeira porto-riquenha. Outras sacadas, entretanto, funcionam, como trazer acidez nos diálogos de personagens curiosos encharcados de álcool.

A correta interpretação do elenco principal também merece pontos positivos, como o Moburg de Ribisi (expert em colecionar personagens incomuns), Eckhart misturando charme e manipulação com Sanderson e Amber Heard trazendo beleza e sensualidade como Chenault, objeto de desejo que pode colocar tudo a perder  entre Sanderson e Kemp.

O filme, porém, é de Depp, que consegue criar, com sucesso, um personagem engraçado, sexy, irônico, que descobriu que o melhor jeito de evitar a ressaca é manter-se bêbado. E que, além de tudo, é muito bem acompanhado por Michael Rispoli, como o bonachão Bob Sala. A cena protagonizada pelos dois no carro aos pedaços, por exemplo, é o momento mais hilário do filme.

Apesar disso, “Diário de um Jornalista Bêbado” se precipita nas resoluções finais e se entrega a um caminho em direção ao conservadorismo, onde romantismo, redenção e moral dão as mãos e jogam por terra todo o sabor de transgressão que se experimentou momentos antes. Não deixa um gosto amargo, mas também não se torna fácil de digerir, tal qual uma indigesta dose de rum.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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