Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (2012): nova adaptação é imperdível

Combinando ótimas atuações, um roteiro instigante e um visual de tirar o fôlego, a adaptação hollywoodiana para o livro sueco se mostra imperdível.

Em regra, remakes são mal-vistos pelos cinéfilos. A ideia de pegar uma obra já feita e refazê-la por algum motivo geralmente não cai bem junto ao público. No caso específico da trilogia “Millennium”, os três livros de Stieg Larsson, que já haviam sido adaptados anteriormente na Suécia, ganham agora novas versões hollywoodianas.

O que torna “Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” uma experiência interessante até mesmo para quem viu os longas suecos é a diferença que o cineasta David Fincher faz. Um diretor sempre visualmente impressionante, Fincher não se contenta em meramente refazer a fita sueca, mas se apropria do material literário original e cria um thriller de tirar o fôlego até mesmo para aqueles que conhecem a franquia de outros carnavais, pegando a audiência desde os créditos iniciais.

O jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig), após passar por um perrengue judicial, é contratado pelo rico e influente Henrik Vanger (Christopher Plummer) para solucionar o desaparecimento da sobrinha deste, Harriet, que ocorreu há mais de quatro décadas. Enquanto isso, conhecemos a hacker Lisbeth Salander (Rooney Mara) que, a despeito de seu brilhantismo, se mostra incapaz de interagir em sociedade da maneira habitual, trazendo consigo um passado trágico e um quê auto-destrutivo fascinante. As vidas de Blomkvist e Salander se cruzam de maneira explosiva, revelando vários esqueletos que a problemática família Vanger deseja ver enterrados.

Os momentos cruciais em tramas de mistério são aqueles em que acompanhamos os protagonistas solucionando seus desafios e compreendemos o raciocínio lógico por trás de suas descobertas. A definição sobre a inteligência do texto e dos personagens acontece ali, sendo tais sequências capazes de diferenciar bons filmes de meros engodos. O texto de Steve Zaillian e o preciosismo gráfico de Fincher nos permitem entrar na cabeça de Blomkvist e Salander enquanto trabalham, tornando a investigação mais tensa e real, mesmo quando as habilidades de Lisbeth com os computadores tornam tais investidas um pouco menos verossímeis, algo que o próprio filme brinca ao mostrar o desconforto de Mikael com tais ações digitais.

Nesse sentido, a trilha sonora da dupla Trent Reznor e Atticus Ross e a montagem criam um clima de urgência tão presentes que tornam os “mergulhos” nas mentes de Mikael e Lisbeth sufocantemente ágeis, nos ajudando a navegar em meio aos fluxos constantes de flashbacks. Dessa forma, o público jamais se sente perdido ou entediado em tais momentos, mas sim posto em um estado de tensão constante.

Outro grande acerto da produção foi manter a história na Suécia. Transferir a trama para algum lugar dos EUA acabaria por extirpar boa parte da atração visual do filme, considerando o uso magnífico das paisagens marcadas por uma opressiva onipresença do branco por Fincher e seu diretor de fotografia, Jeff Cronenweth, merecidamente indicado ao Oscar por seu trabalho aqui. Até mesmo a percepção de frieza que o mundo tem dos suecos acaba contribuindo para o clima imposto no decorrer da narrativa. Tal decisão também cobra seu preço, sendo impossível não sentir certa estranheza ao ver pessoas na Suécia falando quase exclusivamente inglês no universo realista proposto pelo diretor.

Zaillian e Fincher também compreendem que a investigação, por mais interessante que seja, funciona mais como uma desculpa para que conheçamos mais sobre os personagens principais, tanto que o filme prossegue mesmo após a resolução desta. As personalidades e os conflitos de Mikael e Lisbeth são realmente o que tornam a fita tão instigante, principalmente no caso da hacker. Não é à toa que, no primeiro ato da projeção, a garota possui uma trama paralela ao mistério de Harriet, revelando mais e mais sobre sua existência tortuosa e como sua natureza agressiva pode ser terrível ao ser provocada.

O background de Salander e suas tendências para a autoflagelação complementam as tentativas de Mikael de se livrar de alguns de seus problemas e vícios. O relacionamento do jornalista com Erika (Robin Wright), sua bela e casada colega na revista Millennium, cria um interessante contraponto para a relação dos dois protagonistas.

Enquanto Daniel Craig explora de maneira admirável o orgulho e a angústia de Mikael com a situação delicada na qual se encontra, bem como seu desejo em resolver certos aspectos da sua vida, é inegável que o filme pertence a Rooney Mara, que compõe de maneira fabulosa sua Lisbeth, ficando claros os motivos que levaram David Fincher a apostar na garota mesmo quando nomes mais famosos mostraram claro interesse pelo papel.

Se entregando sem medo a uma personagem difícil, repleta de nuances e jamais usando o visual punk como muleta, Mara convence não só nos momentos mais chocantes de Lisbeth, mas também naqueles mais introspectivos, como em um simples jogo de xadrez com seu ex-tutor, mostrando ali uma ânsia em expressar um sentimento com o qual ela é pouco familiar.

O clã Vanger também está muito bem representado com performances marcantes por parte de Christopher Plummer e Stellan Skarsgård, cujos trabalhos revelam pistas sutis sobre a verdadeira natureza dos mistérios envolvendo aquela família, descrita pelo seu líder como um bando de degenerados miseráveis e ladrões.

Inteligente, arrebatador e repleto de personagens interessantes e atuações idem, “Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” é uma adaptação mais do que digna do sucesso que os livros de Larsson, deixando o público salivando por mais na saída do cinema. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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