Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2009): filme sueco investe em tensão

Suspense investigativo adapta bem a linguagem literária ao cinema.

O longa sueco “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, de 2009, é a adaptação do primeiro volume da trilogia literária “Millennium“, escrita pelo sueco Stieg Larsson. Trata-se de um suspense investigativo onde o jornalista Mikael Blomkvist (Michael Nyqvist) é contratado para desvendar um mistério de 40 anos sobre o desaparecimento da sobrinha do grande empresário Henrik Vanger (Sven-Bertil Taube). Para isso, conta com a ajuda da hacker Lisbeth Salander (Noomi Rapace), cuja vida igualmente misteriosa também chama a atenção de Blomkvist.

O roteiro adaptado é seguro em sua estrutura, elaborando a complexa trama de forma compreensível sem prejudicar o ritmo em prol de “mastigar” explicações ao público. Além disso, preocupa-se com o tipo de abordagem particular que dá aos protagonistas. A apresentação destes é diferente uma da outra, buscando uma compatibilidade com a própria personalidade de cada um. Mikael é introduzido em meio a um polêmico julgamento no qual repórteres explicam de maneira geral quem ele é e o que faz, indo ao encontro das principais características do personagem: uma figura pública e sem muitos segredos. Já Lisbeth, uma jovem introvertida e profissionalmente sigilosa, é apresentada de maneira a causar estranhamento e curiosidade no público, assim como nos demais personagens do filme.

A direção de Niels Arden Opley também segue esta mesma ideia. Os planos abordam Mikael a fim de explorá-lo, com movimentos ao seu redor, seguindo-o de frente enquanto anda pela rua, revelando sua expressão em planos fechados, invadindo sua privacidade com a família dentro de casa, seus afazeres domésticos etc. Já em relação à Lisbeth, a câmera se mantém distante, seguindo-a de costas pela rua, tentando perceber seu rosto escondido debaixo do capuz ou atrás da tela do notebook, até o primeiro momento em que a vemos explicitamente e temos a mesma reação de surpresa que um dos personagens exibe.

O figurino e a maquiagem são elementos fundamentais para destacar a hacker. Durante grande parte das cenas em que ela aparece, torna-se a figura que mais chama atenção na tela. Seu visual incomum impõe um constante desequilíbrio em relação aos cenários e aos outros personagens, quase um incômodo na composição dos planos. Isso também diz muito sobre a psicologia de Lisbeth, simbolizando o modo como ela mesma se vê na sociedade: uma pessoa diferente e deslocada.

A atmosfera de tensão que se mantém durante todo o filme é construída essencialmente pela valorização de planos fechados. Os planos médios e abertos são usados apenas pontualmente por uma questão geográfica. Esse clima tenso também é sustentando pela trilha sonora que, mesmo em cenas de transição, estabelece um pano de fundo sonoro que antecipa eventos posteriores – como quando Mikael está a caminho da casa de Henrik Vanger sem saber o motivo do chamado e da urgência – ou impõe uma carga dramática maior a uma ação corriqueira – como as cenas em que Lisbeth trabalha no notebook.

A grande falha do filme é a montagem, que parece querer aproveitar todas as sequências que foram filmadas. Essa postura acaba por enfatizar algumas falhas na decupagem, com câmeras desobedecendo aos eixos e ao racor (continuidade de um movimento entre dois planos). O uso de pequenas elipses (supressões do tempo da ação) parece ser uma tentativa de amenizar tais falhas e sua frequencia busca uma unidade estética que esconde esta intenção. No fim das contas, temos um primeiro erro cuja tentativa de conserto acaba por gerar uma nova necessidade que, por sua vez, prejudica todo o produto final. Isso tudo poderia ter sido evitado por uma proposta mais objetiva e econômica.

Porém, o longa acerta muito mais do que erra. “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” serve de exemplo para a recente estratégia mercadológica de adaptação de grandes séries literárias. Revela-se técnica e artisticamente como um ótimo diálogo entre duas linguagens, obedecendo ao ritmo do cinema ao mesmo tempo em que respeita o conteúdo da literatura.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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