Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Alien – O Oitavo Passageiro (1979): quando Ridley Scott ainda fazia ótimos filmes

Ficção de 1979 leva terror ao espaço por meio de estupenda direção que eleva a tensão a um nível insuportavelmente agradável.

Esperava-se muito mais da carreira de Ridley Scott. E a alta expectativa não aconteceu por acaso. Não é todo dia que algum cineasta lança seguidamente dois filmes-referência, sendo ambos, ainda por cima, ficções científicas, um dos mais difíceis gêneros cinematográficos. Mas o que se viu na filmografia pós-1982 do diretor britânico foi uma série de produções medianas e outras de terrível mau gosto. Salvam-se “Thelma e Louise”, “Falcão Negro em Perigo” e “Os Vigaristas”.  E nem venham contra argumentar com o supervalorizado “Gladiador”. A impressão é de que a ousadia acanhou-se diante dos holofotes da crítica e da ambição dos produtores norte-americanos.

A lamentação aqui é válida, porque a qualidade e a originalidade da mise-en-scène de “Blade Runner  – O Caçador de Andróides” é nada menos do que fenomenal. Mas para fazer sua grande obra-prima, Scott flertou com a ficção de modo mais comedido três anos antes. Levando o terror para o espaço, ele lançou, em 1979, “Alien – O Oitavo Passageiro”, um filme simples em sua proposta, mas extremamente eficiente quando o assunto é causar tensão no espectador. E a “culpa” é de ninguém além de Ridley Scott.

Para tanto, ele não precisou aumentar o volume de sua trilha sonora a um nível exorbitante, nem exibir mutilações, muito menos enganar e manipular a audiência com sustos baratos. Um total controle sobre o ritmo do filme é o suficiente para que Scott nos aterrorize. Ele sabe os momentos exatos para movimentar sua trama, assim como abrandá-la, não esquecendo de incluir algumas surpresas pelo caminho. Entende que a produção não passa de um filme de gênero bem definido, sem intelectualismos ou intenções visionárias. Por isso mesmo, faz um clássico bem próximo da perfeição.

Não há nada de excepcional na história de “Alien”. Não passa de um grupo de tripulantes de uma nave rebocadora que acaba fazendo uma má escolha de consequências irreparáveis. Em pleno retorno à Terra, eles decidem investigar um estranho sinal advindo de uma nave alienígena. Não encontram nada além de destroços e uma grande câmara contendo vários ovos. É o suficiente. Um dos humanos é atacado por uma pequena criatura com sangue de teor extremamente corrosivo. A morte do ser, no entanto, é apenas o início de um literal nascimento de um monstro ainda pior que passa a perseguir e matar a escassa população de astronautas.

A trágica trajetória da trama, porém, começa de modo bem calmo. Aliás, começa em total silêncio. Sem som algum, a fita surge como uma típica ficção de poucos diálogos e espaços reduzidos. Os planos estáticos dão ideia da vida monótona dos tripulantes, exibidos pela primeira vez levantando-se da cama. E é exatamente nesse mesmo contexto que o diretor faz o seu suspense se tornar diferenciado. Se os cenários passavam uma sensação de calmaria, esses mesmos locais tornam-se claustrofóbicos. Transformam-se em um labirinto aonde um jogo de gato e rato acontece.

O gato é um alienígena que pouco aparece em tela. O roteiro de Dan O’Bannon prefere esconder seu vilão dando-lhe um aspecto sobrenatural. Talvez por isso mesmo ele nos cause tanto medo. Mais do que sua aparência física, o que assusta é a forma de ataque do caçador, que pode estar a qualquer hora em qualquer lugar, aparecendo e desaparecendo em questão de segundos. Por diversas vezes, ele invade e quebra o universo monótono criado por Ridley Scott, fazendo crescer uma tensão que se torna insuportável com a chegada do ato final. “Quando ele dará bote?” é a pergunta que nos persegue por quase uma hora de duração.

Um a um, o alien vai dizimando o grupo. A situação fica ainda mais imprevisível sobre quem será o próximo, pois o filme prefere de maneira inteligente não apresentar protagonistas até os trinta minutos finais. Todos são coadjuvantes inicialmente. Requisitos naturais fazem Ripley (Sigourney Weaver, no grande sucesso de sua carreira) assumir o posto. É uma líder nata e extremamente corajosa, que não aceita quaisquer ordens sem antes argumentá-las. Chega até a discutir com o comandante Ash (Ian Holm), para pouco depois se deparar com a maior surpresa apresentada pelo roteiro. O’Bannon deixa sua trama ainda mais obscura ao fazer do personagem de Holm alguém desconfiável e cheio de segredos.

Pena que a sequência em que tudo é revelado apresente os únicos explícitos erros técnicos da produção. Mas tudo é compensado com incríveis efeitos especiais para a época (e que até hoje não comprometem o entretenimento) e uma direção de arte que demonstra sabedoria ao unir cenários cercados por tecnologias com outros mais obscuros, dignos de longas do gênero. Já ao monstro são concedidos os melhores planos que escondem eventuais defeitos. Com closes que exaltam o instinto predador do bicho, Ridley Scott complementa o mundo amedrontador que construiu há mais de trinta anos, dando espaço para que James Cameron fizesse uma agradável continuação sete anos depois, enquanto ele mesmo já estava em seu aparentemente infindável período de crise autoral.

Darlano Didimo
@rapadura

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