Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 25 de junho de 2011

Carros 2 (2011): novo filme da Pixar é simplesmente decepcionante

Estúdio de John Lasseter dá a sua primeira grande derrapada nas telonas, em uma sequência muito abaixo dos padrões até então impostos pela companhia.

Antes de John Lasseter assumir o cargo de Executivo-Chefe de Criação na Disney, era comum a companhia lançar péssimas continuações  de seus clássicos direto para vídeo. Eram fitas sem graça, pálidas sombras dos originais, com tal linha tendo sido descontinuada após a fusão com a Pixar. É irônico que o próprio Lasseter tenha sido o diretor de “Carros 2”, filme que, ao menos quanto ao seu roteiro, está mais próximo do nível das famigeradas sequências destinadas ao mercado de home-vídeo do que das maravilhas cinematográficas que a Pixar vinha nos presenteando ano após ano.

A mudança no foco deste novo longa em relação ao seu predecessor é justamente o seu maior erro. O primeiro “Carros” era uma carta de amor de Lasseter às antigas estradas americanas, contando uma história de redescoberta e nostalgia através dos olhos do arrogante carro de corrida Relâmpago McQueen, que encontrou o seu caminho no mundo em uma cidadezinha às margens da lendária Rota 66, construindo uma amizade improvável com o enferrujado e ingênuo guincho Mate.

Já esta segunda fita coloca Mate como o herói improvável de uma trama envolvendo espionagem internacional, enquanto McQueen embarca em uma competição ao redor do mundo, promovida por um magnata dos combustíveis alternativos. Os filmes anteriores da Pixar se utilizavam de premissas fantásticas para transmitir mensagens relativamente complexas para o público enquanto o divertia e o impressionava, mas aqui essa ambição é deixada completamente de lado em nome da “diversão”, com o roteiro apelando até mesmo para a batidíssima lição de moral do “seja você mesmo”.

Além desse clichê manjado, a própria aventura é bastante previsível, sendo fácil para qualquer um – mesmo para o público infantil – adivinhar o que vai acontecer no decorrer da projeção, tornando o longa simplesmente chato. A despeito do centro dramático do script ser a amizade entre Mate e McQueen, os dois têm pouquíssimo tempo de tela juntos, com o longa favorecendo as interações entre o guincho e uma dupla de novos personagens, os espiões Flynn McMíssil e Holley Caixadibrita.

Os novos carros não são ruins e a separação entre a dupla principal de uma produção já rendeu bons momentos para outras películas da Pixar (vide “Toy Story 2”). A questão aqui é que a trama de espionagem simplesmente não se encaixa no universo de “Carros”, ao menos não como plot principal, dando pouco espaço para o reencontro com as figuras carismáticas de Radiator Springs. Toda vez que as corridas entram em cena e vemos Relâmpago e Mate juntos, o filme decola, mas isso não acontece tempo o bastante para equilibrar a balança a favor da película, que sempre pende a essa trama à lá James Bond.

Além disso, me espantei com a violência das cenas de ação envolvendo McMíssil e os “tranqueiras” (o próprio termo aplicado aos vilões é bem preconceituoso, aliás). Digo que este é, de fato, o trabalho mais violento da Pixar, considerando que os veículos são mostrados naquele universo como seres vivos e alguns deles sofrem durante o decorrer da fita.

O que salva a produção e ajuda a Pixar a manter sua média é o fantástico visual visto em tela. O design dos personagens é inspiradíssimo, abrangendo, além dos automóveis, aviões de carga e grandes embarcações, com modelos reconhecíveis mesmo com sua estilização. Os variados cenários pelos quais “viajamos” também são de tirar o fôlego. Londres, Paris e Tóquio são lindamente retratadas na animação.

Reparem na confusão metropolitana de Tóquio, iluminada por luzes “artificiais”, todas refletindo nas superfícies polidas dos carros. É simplesmente fantástico! Sem contar a bela fotografia que vemos durante os passeios por Paris feitos pelos personagens. É uma pena que o esforço das equipes de arte e de efeitos visuais da produção não espelhe sua qualidade narrativa.

A dublagem nacional está correta. Nem mesmo a ponta de Cláudia Leitte incomoda, haja vista que a personagem da cantora, Carla Veloso, tem duas falas e dá adeus. As participações de Luciano Do Valle e de José Trajano como locutores ficaram bastante simpáticas. Já o 3D é basicamente sem efeito, não contribuindo de maneira relevante para o visual mostrado.

Contando até mesmo com uma trilha sonora pouco imaginativa do geralmente ótimo Michael Giacchino, “Carros 2” será lembrado como o primeiro tropeço da Pixar, apresentando até mesmo uma estranhíssima mensagem a favor de combustíveis fósseis em sua conclusão. É triste não poder terminar um texto sobre um filme desse estúdio com um “recomendado”, mas não se pode acertar sempre.

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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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