Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 17 de maio de 2011

O Bebê de Rosemary (1969): um terror para se fascinar e não se assustar

Há mais de 40 anos, Roman Polanski redefinia o gênero e fazia história com seu desfecho apoteótico.

No mundo do cinema, até hoje se convenciona achar que para um filme enquadrar-se como terror é preciso que ele apresente elementos sobrenaturais visíveis, assassinos psicóticos ou monstros das mais distintas naturezas. Grandes obras como “Psicose” (1960), “O Iluminado” (1980) e “O Exorcista” (1973) reforçam que tais características são necessárias. No entanto, “O Bebê de Rosemary” veio para destoar e intrigar críticos e cinéfilos, deixando claro que regras servem para ser quebradas. O clássico de Roman Polanski de 1968 esconde o que os colegas de gênero fazem questão de exibir e nem por isso deixa de assustar ou envolver o espectador. Pelo contrário. Poucas vezes, o terror foi tão angustiante.

A estreia de Polanski em Hollywood, depois dos europeus “Repulsa ao Sexo” (1965) e “A Faca na Água” (1962), traz a quieta Rosemary Woodhouse (Mia Farrow) como personagem principal. Ao lado do marido Guy (John Cassavetes), ela se muda para um antigo prédio nova-iorquino, onde espera ver a carreira dele deslanchar como ator, além de ter o primeiro filho do casal. O aconchego do local, porém, contrasta com estranhos boatos acerca dos ex-moradores.

Um inesperado suicídio leva-os a conhecer os vizinhos, Minnie (Ruth Gordon) e Roman Castevet (Sidney Blackmer), que habitam o prédio há bastante tempo. Uma invasiva amizade tem início, especialmente entre Roman e Guy, o que coincide com a prosperidade da família: Rosemary engravida e o marido é convidado para inúmeros trabalhos. O controle dos Castevet na sua vida e as seguidas sensações de mal-estar (não solucionadas pelo médico indicado por Minnie), porém, levam-na a desconfiar de um macabro complô contra ela e a criança que está prestes a nascer.

Baseado em livro homônimo de Ira Levin, o roteiro do próprio Polanski faz de “O Bebê de Rosemary” um terror psicológico minuciosamente construído, desviando-se de “forçações de barra” comuns ao subgênero. Os fatos e não alucinações justificam tanto as desconfianças de Rosemary quanto a do público. Colar de odor desagradável, suicídio sem aparente justificativa e líquidos de estranho conteúdo são apenas alguns dos acontecimentos e objetos que passam a circundar o cotidiano do casal depois da mudança.

O sobrenatural também jamais habita o apartamento dos Woodhouse, permanecendo apenas no universo onírico, utilizado com agradável parcimônia pela história. Nem por isso, o filme se  transforma em um marasmo. Roman Polanski sabe como introduzir a paranoia com seu ritmo cadenciado, fotografia escurecida de William Fraker e trilha sonora ora delicada ora intensa de Christopher Komeda. O ambiente, enfim, é propício ao susto, mas as situações só tornam-se mais tensas no terço final do longa.

E quando ele chega, percebe-se o quão diferenciada e necessária é a primeira hora de duração. Fugindo de saídas comerciais, o roteiro sacrifica sua introdução e desenvolvimento para oferecer um final apoteótico, que é nada menos do que um dos mais ousados da história do cinema. “Provocação” talvez seja a palavra mais apropriada para definir o que a história apresenta ao seu desfecho. Afinal, mesmo com as dicas deixadas pelo roteiro, é impossível prever o destino de Rosemary, muito menos a sua reação ao lidar com tudo aquilo.

No entanto, o fato não teria o mesmo efeito se não fosse Mia Farrow. Dando ao personagem a graciosidade e instabilidade exatas que permitem-na se colocar no centro de uma trama conspiratória, a atriz é a protagonista perfeita para um filme de natureza indefinida. O destaque, porém, não vai apenas para ela. Ruth Gordon faz de Minnie uma vizinha aterrorisadora, que se intromete e se exibe (sempre com sua voz estridente) sem pedir licença. Não por acaso, ela ganhou o Oscar de atriz coadjuvante pelo papel.

Ao lado dela, Sidney Blackmer impõe altivez e obscuridade a Roman, enquanto John Cassavetes (aquele mesmo que dirigiu filmes como “Faces” e “Sombras“) faz um marido cínico que incomoda. Vale ressaltar ainda as participações relevantes de Ralph Bellamy, como o Dr. Sapirstein; e Patsy Kelly, como a esquisita Lara-Louise, mesmo com pouco tempo de tela.

Com todos esses elementos, Roman Polanski fez história que, mesmo 40 anos depois, ainda surpreende pela ousadia e, principalmente, pelo comprometimento com um roteiro bem delineado e sem vícios, que não deseja assustar de graça, mas que ainda assim (e talvez pelo mesmo motivo), choca mais do que qualquer outro terror. “O Bebê de Rosemary” é filme para ver, rever e se fascinar, sensação cada vez mais rara nos dias de hoje, ainda mais em longas do gênero.

Darlano Didimo
@rapadura

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