Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de março de 2011

Animais Unidos Jamais Serão Vencidos

Animação aposta em radicalismo ao tratar a importância da preservação ambiental.

Ao entrar no cinema para assistir a uma animação, a maior certeza é que, ao fim da projeção, o público levará uma mensagem para pensar em casa. Geralmente, essa lição envolve a importância de preservar o meio ambiente ou a força das amizades. Esta é uma fórmula que será eternamente requentada e ninguém pode reclamar. Exceções existem, obviamente, mas em geral o foco é sempre a natureza e seus bichinhos fofos e serelepes. Isso é maravilhoso, pois gera conteúdo cíclico para as nossas crianças, refletindo um pouco também nos pais que as acompanham no cinema.

Em “Animais Unidos Jamais Serão Vencidos”, os bichos da savana africana sofrem com a falta de água, causada por uma obra milionária em prol da construção de um hotel luxuoso. No decorrer da película, vários grupos de animais se encontram na savana, com direito a um galo francês e até a uma ursa polar que se afastou de seu habitat por causa do derretimento das calotas. Quando todos percebem que a água é um bem precioso que daria vida aquele ambiente seco, os bichos decidem se unir e marchar até os humanos, lutando pela sobrevivência.

Não havia melhor momento para lançar a película. No mês de março, mais precisamente no dia 22, é comemorado o dia mundial da água. É sobre a necessidade da água para os animais e a importância de preservar o meio ambiente que esta animação tem como objetivo dizer aos pequenos o quanto os seres humanos tiram da natureza sem compensar e, aos poucos, a destrói. A mensagem não é nova, mas em tempos em que conglomerados acabam com belezas naturais e o aquecimento global está em destaque, é sempre bom reforçar. O problema é que a trama chega a um nível de radicalismo um pouco assustador.

Entenda: sou ambientalista e vejo claramente a natureza se vingando contra tudo que os humanos fazem com ela. Já está sendo um processo gradativo de escassez desses bens naturais, principalmente da água, caso a sociedade não compreenda o valor dela. Aliás, até compreende, mas pouco faz para preservá-la. Posto isso, a vilania dos seres humanos é um fato inegável dentro da nossa realidade. Entretanto, em um gênero como o cinema de animação, nesta película específica voltada às crianças, é importante tomar alguns cuidados. A intenção deve ser conscientizar da importância da preservação ambiental e ensinar meios para reverter os danos.

Em “Animais Unidos Jamais Serão Vencidos”, os bichos literalmente se revoltam contra os seres humanos. Mas o roteiro adaptado da obra de Erich Kästner ultrapassa os limites o bom senso ao praticamente pintar a figura dos humanos como caçadores aborígenes munidos de armas e dinheiro com o único objetivo de destruição e lucro. Entenda novamente: não nego que existam tais pessoas, mas a forma como o longa caracteriza os humanos chega a ser assustador ao seu público alvo. Ao invés de mostrar, como sempre, o humano patético que se arrepende no final por suas maldades, a história não dá referência às crianças de que elas, como futuro da nação, podem mudar essa situação. A trama levanta sem problemas a aversão aos humanos, e não ensina que é preciso fazer diferente. O discurso da tartaruga centenária é praticamente uma maldição discursada na projeção.

O roteiro também parte de uma confusão ao mostrar grupos de animais em diferentes situações que se encontram em algum momento. A montagem não facilita a compreensão dos núcleos, sendo difícil dizer, inicialmente, quem é o protagonista da história. Quando o roteiro dá ao suricato uma missão a ser realizada até o desfecho do filme, a trama começa a se definir. A partir daí, todos aqueles animais juntos enriquecem a película. Mesmo com a dublagem nacional afetada de sempre, restringindo a simpatia pelo longa, o roteiro tem seu valor até o segundo ato. No terceiro, quando a ação humana entra como a principal castradora da natureza de forma violenta, fica desagradável acompanhar o desfecho.

Realizada pela Constantin Film, responsável pelo vindouro “Tarzan” e pela franquia irregular “Resident Evil”, a animação alemã tem um desenho de produção decente, dando aos seus personagens formatos belos e quase palpáveis. O leão Sócrates, além de ser bastante carismático, é um exemplo, participando inclusive de referências ao clássico “O Rei Leão”. Ainda que esteticamente a animação seja correta, os cenários nem sempre estão de acordo com os personagens, se mostrando com pouca profundidade de campo e embaçadas. Em contrapartida, quando os diretores Reinhard Kloss e Holger Tappe mostram apenas a dimensão dos cenários e utilizam câmeras viajantes, esse problema é compensado.

A tecnologia 3D utilizada pelo longa é pouco considerável, visto que cria (muito pouco) a perspectiva dos cenários em relação aos personagens. Elementos “surgindo” em tela também estão presentes, mas pouco inspirados. O que se observa é que os longas, de animação ou não, optam pela tecnologia apenas para angariar mais dinheiro em suas bilheterias, já que poucos realmente fazem o bom trabalho da verdadeira filmagem em 3D.

Com uma história duvidosa sobre a vilania dos seres humanos, a mensagem que deve ficar é que a natureza clama por paz. Neste sentido, o longa está correto. Resta apenas saber se você quer que seu filho enxergue sua própria raça como pistoleiros caricatos (não há exagero nesta definição). É mais importante que a criançada cresça aprendendo a preservar a natureza do que se ver em tela como uma raça grosseira que não deve existir no mundo.

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Diego Benevides é editor geral, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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