Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 07 de janeiro de 2011

Além da Vida

Perdido em boas intenções, novo filme de Clint Eastwood sofre pelo desinteresse do próprio cineasta em contar uma história na qual nem ele mesmo parece acreditar.

Este novo filme de Clint Eastwood pode ser classificado de três formas. A primeira e mais óbvia é chamá-lo de “filme espírita”, quase como um gênero novo, desses que têm despertado certo interesse no público atualmente. A segunda é considerá-lo um “filme mosaico”, desses que mostram alguns personagens em tramas paralelas que em algum ponto se cruzam. A última e mais sensata seria apenas dizer que ele é um filme do Clint Eastwood, ou seja, típica produção supervalorizada e acolhida pela crítica só porque foi dirigida pelo ator/cineasta.

Enquanto “filme espírita”, “Além da Vida” deve agradar o mesmo público que abraçou “Chico Xavier – O Filme”, “Nosso Lar” e, em menor escala, “Um Olhar no Paraíso”, para citar os mais recentes. É um longa que traz a morte e o que há depois dela como tema e procura, ainda que de modo bem tímido, levantar algumas questões sobre como lidamos com um fato inevitável e ao mesmo tempo tão amedrontador.

No quesito “filme mosaico”, o roteiro se desdobra em três linhas narrativas que acompanham  diferentes personagens e a relação de cada um deles com a morte. George Lonegan (Matt Damon) é um vidente que sofre por sua condição e tem a vida constantemente afetada pela morte. Já Marie Lelay (a francesa Cécile De France) enfrentou a morte de perto. Sobrevivente do tsunami que devastou a Indonésia, a jornalista morreu e foi trazida de volta à vida e, agora, sofre as consequências da experiência. Por fim, Marcus (Frankie e George McLaren) enfrenta a morte repentina do irmão gêmeo em um atropelamento. A morte sob três pontos de vista diferentes: quem está em contato, quem passou pela experiência e quem sofre pela perda.

Claro que, como manda a cartilha desse tipo de filme, no final, as três histórias irão se encontrar, e George, Marie e Marcus serão afetados uns pelos outros. Junto com a direção preguiçosa de Eastwood, um cineasta quase lacônico no modo como filma, a forma como as histórias se cruzam é um dos problemas do longa. Eastwood não se importa nem um pouco em se afundar nos clichês e resolve seu filme do modo mais piegas possível.

Os clichês também aparecem no modo como o cineasta quer representar os momentos “espirituais” do longa. As visões pós-morte de Marie são sempre banhadas em uma luz calma e povoada de imagens de pessoas. Toda vez que o vidente Lonegan se “conecta” com alguém, ouvimos o mesmo efeito sonoro óbvio e imagens parecidas com as que Marie teve.  Nesse sentido, cinematográfica e esteticamente, “Além da Vida” não se difere muito de uma novela das seis.

A montagem didática, sempre se revezando entre as histórias sem a menor criatividade, também não ajuda, e o longa padece por não ter um ritmo mais coeso e envolvente. Culpa da direção sem pulso de Eastwood, que filma como se ele mesmo não acreditasse na sua obra, o grande calcanhar de Aquiles do longa, já que não se pode negar que a temática ou os atores, todos competentes, sejam interessantes.

É esse interesse no tema e nos atores que acaba salvando “Além da Vida” de ser um filme ruim. Se a direção e o roteiro deixam a desejar e faltam ao longa momentos emocionantes ou mesmo empatia pelos personagens, existe uma certa curiosidade no desenrolar da trama e algumas cenas compensam as falhas de um todo mais envolvente. O começo da projeção, por exemplo, é de uma tensão exemplar, e as cenas em que Damon contracena com Bryce Dallas Howard (encantadora) também são cheias de energia e vitalidade. Tudo que falta ao resto do longa.

O resultado é um bom filme cheio de falhas, mas que não diz muito a que veio. Tanto que foi um dos longas mais mal recebidos da carreira de direção de Clint Eastwood, que nunca conseguiu me empolgar muito. “Além da Vida” deixa claro que Eastwood pode até ser um bom cineasta que acerta às vezes (“As Pontes de Madison”, “Sobre Meninos e Lobos”), mas que, na maioria das ocasiões, fica na superfície (casos dos supervalorizados “Menina de Ouro”, “A Troca”, “Gran Torino” etc.).

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Fábio Freire escreve para o CCR desde 2010. É jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com pesquisa sobre a relação entre música pop e cinema. Já passou dos 30, mas ainda assim entende mais sobre cinema, música e seriados do que entende sobre gente.

Fábio Freire
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