Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 21 de agosto de 2010

O Último Mestre do Ar

Com esta adaptação da série animada "Avatar - A Lenda de Aang", o diretor e roteirista M. Night Shyamalan marca (mais um) gol contra em sua já combalida carreira.

M. Night Shyamalan é um caso estranho. O cineasta indiano, que estourou em 1999 com “O Sexto Sentido” e fez em seguida o magnífico “Corpo Fechado”, começou uma espiral descendente com o mediano “Sinais”, que culminou no desastroso “Fim dos Tempos”. Escolhido pela Paramount e pela Nickelodeon Pictures para adaptar a popular série animada “Avatar – A Lenda de Aang” para o cinema, o projeto era visto por todos como a esperança de redenção do realizador, que trabalharia pela primeira vez em um projeto não original. Não foi o que aconteceu.

A empreitada era ambiciosa. A trama do seriado, dividido em três temporadas (ou “livros”) de 20 episódios cada, demandaria muito cuidado para ser transposta para a telona. A intenção de realizar uma trilogia, com cada filme englobando uma das temporadas, fora estabelecida logo de início. A história se passa em um mundo fantástico, dividido por quatro povos: a Nação do Fogo, a Tribo da Água, o Reino da Terra e os Nômades do Ar. Dentro dessas culturas, nascem pessoas com a habilidade de dobrar os respectivos elementos à sua vontade.

A cada geração surge alguém capaz de controlar todos os elementos, cuja responsabilidade é manter o equilíbrio entre todos esses povos e ser a ponte entre o mundo físico e o mundo espiritual, este alguém é o Avatar. O pequeno Aang (Noah Ringer), dos nômades do Ar, é a encarnação atual dessa figura. Assombrado por suas responsabilidades, o jovem sofre um acidente e passa cem anos congelado. Nesse meio tempo, sem a presença do Avatar, a Nação do Fogo conquista boa parte do planeta.

Até que Aang é despertado pelos irmãos Katara (Nicola Peltz) e Sokka (Jackson Rathbone), da Tribo da Água. Ao descobrir o que sua ausência acarretou, Aang se junta aos seus dois novos amigos e parte para iniciar uma rebelião, aprender a dominar os demais elementos e cumprir seu destino. Mas o garoto está sendo caçado de maneira implacável por dois membros da Nação do Fogo, o príncipe Zuko (Dev Patel), que busca recuperar sua honra levando o Avatar para seu pai (Cliff Curtis), e o ambicioso Comandante Zhao (Aasif Mandvi), que quer consolidar uma posição forte junto ao Senhor do Fogo Ozai.

Se você acha que esta sinopse é longa, imagine compactar isso tudo em um filme de 90 minutos. Pois foi exatamente isso que Shyamalan tentou fazer. O resultado é que praticamente TODOS os diálogos do filme são basicamente expositivos, com a trama sendo contada para o espectador e não mostrada pelo longa, quebrando uma das regras principais da produção cinematográfica.

Ainda temos algumas das piores passagens de tempo que já pude ver, com várias semanas se passando sem que o público sinta o impacto. Shyamalan parece que resolveu apenas copiar e colar algumas situações aleatórias da animação, sem se dar ao trabalho de desenvolver os personagens ou aquelas situações, com o filme tendo o mesmo impacto dramático de um resumo da primeira temporada exibido em alta velocidade.

Destarte, simplesmente não conseguimos nos identificar com nenhum dos personagens, pois estes não passam empatia junto ao público, já que são apenas figuras estereotipadas cuja única função é dar prosseguimento à história. Não ajuda em nada o elenco principal do filme não apresentar um pingo de carisma ou vivacidade.

Durante boa parte do longa, o pequeno Noah Ringer não dá nenhum sinal de vida. Apático como um boneco de cera, o menino faz parecer que fora escolhido para o papel apenas por convencer nas lutas. A situação é tão grave que, durante muitos momentos, mais parecia que Shyamalan tinha vergonha de enquadrar o garoto que é o astro de uma possível franquia.

Nicola Peltz e Jackson Rathbone estão lá somente para explicar o que Aang deve fazer neste temível mundo novo. A moça não passa na tela o quanto ela se importa com o Avatar, precisando de uma linha de diálogo (surpreendentemente expositiva) para transmitir seus sentimentos para com Aang.

Rathbone passa o filme inteiro mais morto do que o seu Jasper da série “Crepúsculo”, já que o roteiro oferece um interesse amoroso para o rapaz nos últimos 25 minutos de projeção. Como o público vai se importar com o destino de um casal que acaba de ser apresentado e de uma maneira extremamente forçada?!

Dev Patel, que ficou responsável pelo personagem mais complexo da série, não transparece a profundidade de seu príncipe Zuko. A raiva interior do personagem é mostrada apenas por gritos quase histéricos do ator e todos os conflitos do personagem são transmitidos por, adivinhem só, diálogos expositivos! No elenco adulto, Shaun Toub é o único a entregar uma atuação decente e serena com o seu General Iroh. O mesmo não pode ser dito por Aasif Mandvi, patético como o vilão Zhao e Cliff Curtis, que praticamente entra mudo e sai calado como o Senhor do Fogo.

Com relação aos efeitos visuais estes são praticamente impecáveis, com a dominação de cada elemento apresentada de maneira soberba, em mais um trabalho irretocável da ILM, que só falha em uma tomada em tela azul fraquíssima, logo no começo do filme, quando Katara e Sokka encontram Aang. A recriação dos fantásticos animais Appa e Momo está perfeita, mesmo que a fita simplesmente esqueça de usá-los. Os cenários são amplos e majestosos, além de fiéis aos da série animada, com a direção de arte do filme se mostrando deveras competente.

Fica claro que Shyamalan não sabe filmar cenas de ação, que são em sua quase totalidade chatas e desinteressantes. Há um plano longo em específico, no qual dominadores do fogo e da terra se enfrentam, que mostra falta de entrosamento entre o diretor, o diretor de fotografia, atores e dublês, com estes últimos realizando uma coreografia que beira o ridículo. Por falar em ridículo, atentem para o plano que mostra pela primeira vez a Princesa Yue. Vocês verão uma figura que mais parece o famigerado bolo de “Calígula”, em um descuido monumental de Shyamalan.

Aliás, a despeito de apreciar muito planos longos, marca registrada do diretor, o cineasta os usa de modo exagerado e retira qualquer dinamismo das lutas. Não que eu preferisse praticamente a montagem convulsiva adotada por certos cineastas, mas o tédio instaurado em determinados momentos chega a ser assustador. A trilha sonora de James Newton Howard, colaborador habitual de Shyamalan, não se mistura à fita, em muitos momentos se sobressaindo a esta, em mais um problema grave da produção.

A série animada conquistou o coração do público, mas “O Último Mestre do Ar” irá desagradar a maioria dos fãs da franquia justamente por fazer uma adaptação fria e sem vida de uma obra repleta de alegria e complexidade. Como primeira parte de uma série cinematográfica, o longa também não funciona, contando com uma trama atropelada e personagens rasos, tendo como único atrativo seus efeitos visuais, sem conseguir despertar ansiedade para o próximo capítulo – se é que este vai existir.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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