Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de agosto de 2010

400 Contra 1 – A História do Comando Vermelho

O excesso de situações que não permite a construção de uma linha narrativa é uma boa estratégia para a elaboração de filmes originais. Aqui, é o traço comprometedor de um longa que poderia ser melhor.

O curtametralista Caco Souza é um profissional de visão abrangente e execução não tão eficiente assim. Com o intuito de realizar, em seu primeiro longa, um trabalho multifacetado, o diretor não teme ao incluir em sua trama temas diametralmente distintos. O crime organizado, a tensão política dos anos de ditadura e a falência do sistema prisional, bons representantes do cinema de cunho social, convivem, neste “400 Contra 1”, ao lado de amores impossíveis e um forte apelo turístico. Tantas vertentes poderiam funcionar, mas a pouca experiência de Caco no comando de grandes projetos impediu a uniformidade do filme.

Temas semelhantes já haviam sido abordados em dois de seus curtas mais recentes. “Senhora Liberdade”, documentário de 2004, abre espaço para o testemunho de William da Silva Lima, fundador do Comando Vermelho e também retratado em “400 Conta 1”. “Resistir”, de 2007, analisa outro contexto-base para seu longa, a relação entre presos políticos e presos comuns, encarcerados em um mesmo ambiente.

Optando por trabalhar com temáticas aproximadas, é natural esperar que sua primeira incursão por trabalhos de maior porte dê continuidade à abordagem de velhos conhecidos seus. Para quem se dispõe a conhecer um pouco mais da vida do diretor, porém, é fácil constatar que seu curta de maior sucesso, “Zagati”, vencedor de prêmios nacionais e parte da seleção oficial de Sundance, em 2002, consegue ser muito mais eficiente, embora fuja do tema tão recorrente no trabalho de Caco.

Em “400 Contra 1” somos apresentados, de forma não linear, ao histórico de formação do Comando Vermelho. Partindo do início dos anos 70, com as guerrilhas urbanas derrotadas e um Brasil amedrontado pela repressão do governo Médici, um grupo de assaltantes e criminosos comuns divide espaço, no “Caldeirão do Inferno”, presídio de Ilha Grande (RJ), com presos políticos. Indignados com as regalias concedidas aos “pequenos burgueses” colegas de cela, o grupo dirigido por William da Silva coloca em prática uma série de planos insurgentes, guiados pela tríade Paz, Justiça e Liberdade.

Nos anos 80, o presidente João Figueiredo marcaria o fim do regime militar no país. Durante o difícil período de transição, marcado por uma crise econômica que fez a inflação disparar, a população e a imprensa carioca dividiam suas atenções entre os atentados terroristas, atribuídos aos militares não conformados, e a onda de assaltos a bancos, boa parte deles realizados pela gangue de William. Entre a execução de planos magistrais e fugas arriscadas, o articulista do CV encontra tempo para saciar sua paixão por Tereza, que mais tarde faria parte do grupo, e para fortificar as bases sob as quais na década de 90 se ergueria a maior organização criminosa do Rio de Janeiro.

A narrativa, de tão dilatada e complexa, poderia ser dividida em pelo menos três filmes diferentes. Assim com em “Austrália”, o criticado filme de Baz Luhrmann, “400 Contra 1” se perde entre tantos pontos de destaque, onde nada parece secundário e tudo força espaço em uma trama saturada de informações. Com um recurso de variações temporais, para garantir importância para fatos que de tão distantes jamais seriam abordados por um filme de duas horas, a montagem de Marcio Canella é de auxílio fundamental. Seus letreiros tentam localizar o público no excesso de ocasiões e momentos que formam a trama. Apesar de bem trabalhada, sua edição pode confundir o público mais desatento.

O que também pode incomodar os mais tradicionalistas, principalmente pelo já  citado excesso de elementos, são os recursos de câmera da primeira metade do longa. Apostando na habitual tremedeira, utilizada exaustivamente pelas sequências de mais ação em filmes recentes, “400 Contra 1” não impõe limites para o uso indiscriminado de tal recurso. Sequências de conversas e momentos tranquilos entre os personagens também são captadas dessa maneira. A partir da segunda metade, sem nenhuma explicação perceptível, o trabalho da câmera se torna mais seguro e estático.

Daniel de Oliveira, escolhido para dar vida ao fundador do CV, não parece muito confortável com o papel que lhe foi designado. Seu jeito de bom moço destoa da rudeza revolucionária do personagem dos anos 70. A partir da década seguinte, os trejeitos do ator são bem aproveitados na composição de um personagem que se encaixa melhor ao seu tipo. O ladrão de bancos, elegante e trajando roupas de bom corte, é melhor representado pelo tipo físico de Daniel.

Daniela Escobar e Branca Messina são os grandes destaques entre as interpretações do longa. Seguras de seus personagens, a namorada e a advogada de William, respectivamente, as atrizes oferecem atuações contidas na maior parte da trama, embora também demonstrem toda a carga dramática dos momentos exigidos pela narrativa.

Caco Souza faz um bom filme, sobretudo por seu valor histórico e técnico, mas falha por querer transformar seu longa em um laboratório de situações opostas. Suas técnicas de filmagem, ângulos, trilha sonora e recursos narrativos lembram as característica do cinema de Tarantino. O excesso de pólos talvez seja um ensaio de aproximação com “Pulp Fiction”, notavelmente mais exitoso em sua tentativa. Tarantino sabe quando dosar seus exageros. Caco prefere não ter limites, infelizmente.

Jader Santana
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