Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 10 de abril de 2010

Os Famosos e os Duendes da Morte

O filme é um ensaio intimista sobre a fluidez da distância.

O que esperar de um filme intitulado “Os Famosos e os Duendes da Morte”? Longe de ser uma aventura fantástica dirigida por Tim Burton, como o título pode sugerir, o primeiro longa-metragem do cineasta paulista Esmir Filho é uma demonstração de como o cinema consegue estimular nossos sentidos primários, a ponto de o filme se transformar em uma experiência completamente sensorial e intimista. Ganhador do Troféu Redentor no Festival do Rio 2009 e destaque em vários outros eventos ao redor do mundo, o début de Filho, diretor de curtas exitosos como o hit “Tapa na Pantera”, remete a uma nova e empolgante tendência nas produções brasileiras: o cinema nacional extrapolou os problemas sociais e passou a investigar os conflitos universais que desafiam todos os seres humanos.

Ambientado em uma cidadezinha gaúcha habitada por descendentes de alemães, o filme mostra um jovem sem nome e sem rumo, absolutamente deslocado entre os moradores que “sonham em segredo” no cotidiano tedioso do lugarejo. O garoto também sonha, mas enclausurado no quarto, onde se conecta com o mundo exterior pela internet, com o codinome Mr. Tambourine Man. Influenciado pela melancolia das canções de Bob Dylan, ele expressa seu descontentamento com a vida e procura se abrir com contatos virtuais que compartilham de sua angústia. Impossibilitado de expor seus traumas para a mãe ou os amigos, o menino se refugia no computador, apesar de não conseguir se distanciar completamente dos sentimentos que o afligem.

Ao falar das distâncias que separam e aproximam o protagonista de seus problemas, Esmir Filho opta por construir um filme que, apesar da narrativa linear e da estrutura comum, consegue transmitir com naturalidade as “alucinações” desencadeadas pelos pensamentos do garoto. Com isso, a mistura entre realidade e ilusão não se torna forçada ou irregular, e a inserção de devaneios como a visão de Dylan em um palco deserto contribui para a identificação entre espectador e personagem. Como não pretende focar seu filme em nenhuma ação ou acontecimento específico (não há nada na tela além do cotidiano banal), o cineasta entende que precisa concentrar seus esforços em retratar toda a aflição que arrebata o menino e que é, no fim, o grande elemento perturbador de sua obra.

Muito da autenticidade alcançada entre as diversas dimensões que cercam o imaginário do menino se deve à mudança do comportamento dos atores em cada situação. Se o diálogo entre os dois amigos que estão se drogando é pautado pela noção de improviso e naturalidade, as passagens que envolvem os seres misteriosos que rondam a mente do protagonista são filmadas com disposição mais teatral e mais elaborada. Como resultado, “Os Famosos e os Duendes da Morte” se torna uma experiência sinestésica não só de cinema, mas também de música.

A trilha sonora original, produzida por Nelo Johann e orientada pela famosa canção de Dylan que carrega a essência do filme, é um instrumento fundamental para o efeito que o longa exerce sobre seu espectador, além de corroborar com a estética nostálgica escolhida por Filho. Os que conhecem a atmosfera lisérgica do tempo em que Bob Dylan e os Beatles ditavam moda certamente notam a utopia temporal criada pelo cineasta. A relação claustrofóbica entre o garoto e o mundo que existe fora de seu quarto escuro e abafado é traduzida pelas imagens extravagantes que remetem aos anos 1960.

O clima retrô se junta ao uso de imagens digitais com pouca resolução, explicitando que o deslocamento do protagonista não é só espacial, mas também temporal. Ao garoto sobram poucas certezas. Ele não quer estar ali, não quer viver agora. Só lhe resta a vontade de ir a um show de Dylan ou poder conversar com a mãe sem o rádio incomodando. Toda essa instabilidade está resumida em uma das sequências mais difíceis do filme de Esmir Filho: um plano estático acompanha o olhar do menino enquanto vozes localizadas no contracampo convocam os nomes para uma partida do futebol na escola. A feição angustiada do garoto revela que ele não quer ser convocado, mas também não quer ser relegado.

Sem economizar em momentos de sutileza poética (como um quadro que mostra uma borboleta agonizando), Esmir Filho consegue fazer de seu filme um espelho de uma juventude desnorteada que precisa do auxílio das bebidas e das drogas para extravasar seus anseios. Se conseguimos sentir a textura de suas imagens é porque, de alguma forma, também estamos retratados ali. “Os Famosos e os Duendes da Morte” nos faz entender porque estar perto não é físico, e estar longe não é definitivo.

Túlio Moreira
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