Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de março de 2010

Ilha do Medo (2010): o filme é simplesmente imperdível

Martin Scorsese não é só um cineasta talentosíssimo como também é um homem apaixonado pelo cinema. Se em "O Aviador" ele homenageou a era de ouro da sétima arte, ele mostra seu carinho pelos filmes de terror b com este "Ilha do Medo", fita que deve ser encarada mais como um belo exercício de gênero do diretor do que como um longa de "final surpreendente".

Scorsese já passeou por quase todos os gêneros cinematográficos possíveis, mas estava ausente dos suspenses desde 1991, quando comandou o ótimo “Cabo do Medo”.  Após ganhar o Oscar em 2006 com o remake “Os Infiltrados” e comandar um mega-show dos Rolling Stones em “Shine a Light”, o diretor resolveu revisitar esse tipo de filme com “Ilha do Medo”, novamente acompanhado por Leonardo DiCaprio, astro dos seus três últimos filmes de ficção.

Baseado no romance de Dennis Lehane, o filme é ambientado na primeira metade dos anos 1950 e conta a história de Teddy Daniels (DiCaprio), um policial federal que, acompanhado de seu novo parceiro, Chuck Aule (Mark Ruffalo), é enviado para uma remota ilha que serve de sede para o primeiro manicômio judiciário dos EUA. O motivo dessa visita é a fuga de uma perigosa paciente.

Atormentado por visões de sua falecida esposa (Michelle Williams) e de seu violento passado na Segunda Guerra Mundial, Daniels sabe que existe algo errado na instituição comandada pelos doutores Cawley (Sir Ben Kingsley) e Naehring (Max Von Sydow) e resolver esse mistério pode lhe custar sua sanidade ou até mesmo sua própria vida.

A despeito do ótimo elenco, que ainda conta com pequenas participações de Jackie Earle Haley, Emily Mortimer e Patricia Clarkson, o grande destaque da fita é realmente o próprio Scorsese, que utiliza o componente psicológico da fita para brincar o máximo possível com o filme, algo fascinante de ser acompanhado para qualquer fã da sétima arte.

Mesmo contando com belas tomadas mais “convencionais” (vide o maravilhoso travelling usado no translado entre o barco e os portões da instituição), com toda certeza, esse é o mais experimental dos filmes do diretor nos últimos 15 anos, não só visualmente como também em sua narrativa, com o cineasta inserindo pequenas pistas sobre a narrativa em meio a pequenos detalhes visuais e explorando ao máximo o diretor de fotografia Robert Richardson.

Scorsese e Richardson se utilizam muito do jogo de luz e sombras para ilustrar a realidade (ou a não-realidade) do que é mostrado em cena, além de ampliar a tensão em determinados momentos do filme, como a visita de Daniels à temida Ala C. A película ainda conta com várias tomadas em ângulos bem fechados, contribuindo bastante para o clima claustrofóbico e paranóico desejado pelo realizador.

Já algumas sequências quase colocam o espectador dentro do filme, como a chegada dos policiais ao manicômio judiciário, que é simplesmente espetacular. Outro fator a ser louvado é a ótima direção de arte, comandada por Max Biscoe, Robert Guerra e Christina Ann Wilson, que faz um maravilhoso trabalho ao criar o ambiente assustador no qual o filme se passa. Vale ainda a pena citar a trilha sonora opressiva do longa, que também contribui na homenagem de Scorsese aos filmes b.

Há uma sequência em especial, que mostra um campo de extermínio nazista, no qual diretor, cinematógrafo, elenco e direção de arte funcionam de maneira estonteante, nos mostrando cenas belas e chocantes. Esses poucos minutos focados na 2ª. Guerra conseguem ser mais pesados que do que muitos épicos baseados nesse conflitos. Destaco ainda as cenas oníricas entre Daniels e Dolores, todas plasticamente bastante interessantes.

O mais interessante é que até mesmo aparentes falhas da produção ou do elenco podem ser explicadas pelo próprio filme. Sim, é um recurso que pode irritar muitas pessoas, mas que encontra um eco até mesmo em uma determinada fala da personagem de Patricia Clarkson. Por falar no elenco este se apresenta de uma maneira homogeneamente eficaz.

A despeito do foco do filme não ser exatamente nos personagens, e sim na narrativa per si e em sua execução, os atores se mostram bastante a vontade na estranha realidade apresentada por Scorsese, sendo Leonardo DiCaprio é o destaque óbvio dentre as interpretações, já que está em praticamente todas as tomadas do filme.

DiCaprio se sai muito bem ao transmitir ao espectador a crescente paranóia e o pânico pelo qual seu personagem passa. Daniels é um homem que já passou por muitos traumas em sua vida e a sua estadia em Shutter Island acaba por expô-los para nós e para ele mesmo de uma maneira arrebatadora.

Mark Ruffalo se apresenta de uma maneira bem contida, a despeito de ter uma cena na qual o ator se solta bastante em uma importante cena entre ele e DiCaprio. Michelle Williams, que aparece apenas em flashbacks e nos sonhos de Teddy, surge bastante artificial em cena, sendo o ponto fraco do elenco.

Ben Kingsley volta à boa forma com o ambíguo Dr. Cawley, uma surpresa agradável, considerando que o veterano ator anda em uma fase bastante turbulenta em sua carreira. Max Von Sydow, com sua voz poderosa, tem pouco menos que uma ponta, sendo triste vê-lo tão pouco em cena, mesmo tendo um ótimo diálogo com DiCaprio.

A falta de tempo de cena também prejudica Emily Mortimer e Patricia Clarkson, que mal aparecem na tela, com as atrizes recebendo pouco destaque dentro do filme. Já Jackie Earle Haley e Elias Koteas, mesmo aparecendo pouco, acabam chamando a atenção do espectador pela natureza bizarra de seus personagens, bem como pelo belo trabalho de maquiagem neles realizado.

Scorsese é um diretores que não possui nada a provar para mais ninguém, razão pela qual o cineasta pode se dar muito bem o direito de realizar o filme que quiser do modo que quiser. Assim, ele pôde realizar um projeto desses, que certamente desagradará uma porcentagem significativa de sua audiência.

Para os fãs do cineasta, bem como para os admiradores das técnicas cinematográficas, “Ilha do Medo” é simplesmente imperdível. No entanto, não estranhem se a pessoa sentada ao seu lado sair frustrada e irritada desta produção, que deverá polarizar opiniões entre os cinéfilos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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