Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de março de 2010

Ilha do Medo (2010): assistir é uma experiência gratificante

Em meio a muitas investigações e reviravoltas, o filme realmente diverte com um suspense de velha guarda.

É muito interessante ver Martin Scorsese não se levando a sério. Claramente que temos expectativas sempre elevadas de suas obras, ou seja, tudo que ele toca deve, necessariamente, virar ouro. Mas neste seu novo filme “Ilha do Medo”, o diretor foge um pouco de toda essa supervalorização instaurada sobre sua figura e entrega um filme despretensioso e que também podemos chamar de comum (perto de seus filmes clássicos), mas que com certeza é um ótimo entretenimento.

A história se passa em 1954 e começa com a chegada dos detetives Teddy Daniels e Chuck Aule na Shutter Island, onde se encontra o inescapável Hospital Psiquiátrico Ashecliffe, um manicômio destinado unicamente para doentes mentais que cometeram crimes graves, em sua maioria assassinatos. A dupla de investigadores está incumbida de solucionar um estranho, e aparentemente impossível, desaparecimento de um desses pacientes. Em meio a muita burocracia imposta pelos manda-chuvas da instituição e uma forte tempestade que castiga o local, os rumos da operação tomam caminhos tortuosos, revelando que as aparências quase sempre enganam.

Baseado no livro “Paciente 67”, de Dennis Lehane, que também é autor do excelente “Sobre Meninos e Lobos” (adaptado por Clint Eastwood), a obra teve seu texto escrito por Laeta Kalogridis, roteirista com poucos filmes no currículo, alguns bastante esquecíveis, como o fraco “Os Desbravadores”. Seu trabalho com “Ilha do Medo” não é dos melhores, mas para compensar o peso desta balança ela tinha a seu favor um dos melhores diretores vivos filmando suas cenas. Apesar de alguns problemas de montagem e andamento, o filme é belo e envolvente.

Scorsese homenageia aquele suspense de velha guarda, que tinha Hitchcock como mestre criador. Acompanhado por uma trilha sonora retumbante, o diretor encontra espaço para inovar e se utiliza de uma linguagem pouca usada por ele até então: a surrealidade. Por se tratar de um filme onde – citando a obra – “a loucura parece contagiosa”, diversos elementos um tanto quanto perturbadores são explorados de forma eficiente, para transparecer esta insanidade que paira no ar.

Interpretando o detetive Teddy Daniels temos o mais recente alter ego de Scorsese, Leornado DiCaprio, realizando sua quarta colaboração com o diretor. Assim como em seus últimos papéis, DiCaprio está muito bem na pele deste consciente investigador que carrega um passado cheio de dor e ressentimento. Veterano de guerra, o detetive participou da tomada americana frente aos nazistas (uma das melhores cenas do filme é de seu personagem assistindo um soldado alemão agonizando) e por lá viu cenas que se lembra com muito pesar. Além disso, ele é constantemente visitado em seus sonhos por sua falecida mulher Dolores. Ela morreu em um terrível incêndio proposital e Teddy busca justiça desde então, mesmo que, sem saber, não esteja 100% certo em relação ao culpado. Uma ótima construção. DiCaprio chega a perder a linha em alguns momentos devido ao roteiro, que não se mostra muito inspirador em algumas ocasiões, mas no geral sua atuação é a força principal do longa.

No papel do aparentemente correto Dr. Cawley temos Ben Kingsley. Saindo-se muito bem, o ator traz toda a gama de cumplicidade necessária para o personagem e sua postura sempre austera e ligeiramente estranha acaba fazendo com que ele se torne um excelente candidato a suspeito número um. Ainda entre os principais temos também Mark Ruffalo como o parceiro de Dicaprio. Seu personagem, Chuck Aule, se mostra pouco relevante no início do filme, mas vai ganhando força com o desenrolar da história.

O time de coadjuvantes é de primeira, começando pelo icônico ator sueco Max Von Sydow, interpretando o sarcástico e mal-encarado Dr. Naehring. Michelle Williams também faz uma boa participação como a esposa morta Dolores, apesar de seguir a mesma linha de sempre em sua atuação, não mostrando nada de novo. Temos ainda as excelentes atrizes Emily Mortimer e Patricia Clarkson, ambas interpretando a desaparecida Rachel Solando, motivo inicial das investigações na ilha. Por fim, Jackie Earle Haley faz apenas uma cena (muito boa) como o lunático George Noyce; e Elias Koteas, também em aparição relâmpago, interpreta Laeddis, indivíduo bastante inusitado.

“Ilha do Medo” é um filme muito interessante e prazeroso de se assistir. Lidando com a loucura em um cenário onde a guerra fria ganhava cada vez mais força, a história pode não trazer nada de muito novo, mas todo o suspense investigativo é de prender a atenção. Como já foi dito, algumas falhas estão presentes. Além do roteiro mediano, problemas banais como erros de continuidade são visíveis. Claramente que diversos filmes de qualidade trazem erros assim, alguns perceptíveis, outros não, mas neste caso eles realmente saltam à vista, e por isso a obra acaba perdendo pontos. Mas o resultado final não decepciona e, mesmo trazendo uma conclusão que pode ser considerada pouco inovadora, toda a tensão e dúvida criada até o último momento torna a experiência gratificante.

Ronaldo D`Arcadia
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