Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de março de 2010

Toy Story 2 (1999): uma evolução merecida para a franquia

Quatro anos após o longa original, voltamos a encontrar Woody, Buzz e toda a turma do quarto do Andy em uma continuação bem mais movimentada e ambiciosa que a fita anterior.

Antes da época da Pixar, era raro ver uma comédia animada, gênero outrora considerado essencialmente infantil, trazer questionamentos filosóficos inseridos dentro de sua trama principal. Nesse sentido, ouso dizer que “Toy Story 2″ consegue ser tão revolucionário quanto o seu antecessor.

Enquanto o primeiro filme mostrou uma nova maneira de se fazer um longa animado, contando uma divertida históriA de companheirismo e autodescoberta, este segundo exemplar mostrou que essa tecnologia podia ser utilizada para trazer personagens computadorizados em meio a dilemas ainda mais reais e complicados, mas sem nunca esquecer das risadas e da diversão.

Se passando alguns meses após os eventos do primeiro filme, uma nova dinâmica se estabeleceu no quarto de Andy. Woody e Buzz dividem o posto de brinquedos favoritos do garoto e também a “gerência” da trupe, com a antiga rivalidade dando lugar a uma grande amizade. Nem mesmo o cachorrinho Buster abalou a relação entre o menino e seus brinquedos, tendo sido um acréscimo nas aventuras vividas por eles.

No entanto, às vésperas de uma viagem com Andy ao Acampamento Cowboy, Woody acaba tendo um rasgo em um de seus braços, fazendo com que o garoto acabe por deixar o xerife em casa, suscitando nele o medo de ser jogado fora. Ao tentar resgatar de uma feira de usados um outro brinquedo que também estava quebrado, Woody acaba sendo roubado por Al, um ganancioso dono de uma loja de brinquedos, levando Buzz a organizar uma equipe de resgate para salvar o amigo.

Descobrimos que o vaqueiro é um raríssimo brinquedo de um outrora famoso programa de TV, que acabou sendo cancelado durante a corrida espacial. Al está pronto para vender Woody para uma exposição no Japão, na qual ele seria a peça principal. Enquanto tenta escapar, o cowboy acaba conhecendo os seus novos companheiros: a vaqueira Jessie, o mineiro Pete Fedido (que nunca fora tirado de sua caixa) e o cavalo Bala no Alvo.

A partir daí, o xerife tem de enfrentar um dilema. Andy está crescendo e, em alguns anos, deixará de se importar com seus brinquedos para ter uma vida adulta, deixando Woody sem uma razão de existir. Nesse caso, não seria melhor se conformar logo com esse fato e partir para uma espécie de limbo, sempre visto, mas nunca tocado? Ou seria melhor aproveitar os últimos anos com Andy e ver o crescimento de alguém que se tornou uma parte tão importante de sua existência?

Justamente nesse conflito jaz a força de “Toy Story 2″. Sim, há a diversão proporcionada por Buzz e sua turma na tentativa de resgate do cowboy desaparecido, mas o que move o filme é a dúvida existencial enfrentada por Woody. São duas linhas narrativas que se cruzam e culminam com o astronauta dizendo exatamente o que seu amigo havia lhe dito no longa anterior: “Você é um brinquedo!”.

Claro que entre esses dilemas, a equipe da Pixar nos proporciona cenas de diversão garantida. É antológica a sequência no Celeiro de Brinquedos do Al na qual Buzz tem de enfrentar uma versão dele mesmo que parece ter saído diretamente do primeiro filme. Sua reação ao ver como ele era chato é simplesmente hilária. Vale destacar também o encontro da turma com a sessão das Barbies, que gera diálogos e situações engraçadíssimos.

Dentre os coadjuvantes, o destaque vai novamente para o Sr. Cabeça de Batata, agora menos resmungão depois que finalmente encontrou uma esposa, lembrando sempre que ele agora é um tubérculo casado. Dentre os novos personagens, Pete Fedido se mostra bem mais complexo do que aparenta ser, enquanto Jesse revela-se como a figura mais chata já criada pela Pixar. Quando não está choramingando, está pulando pelos cantos de maneira hiperativa, sendo simplesmente insuportável dos dois modos.

Novamente os humanos não ganham lá muito destaque, não chamando atenção nem por seus visuais. No caso de Andy, acho que isso faz sentido, para que o próprio espectador se insira do lugar dele. Andy pode ser qualquer um de nós, por isso não ganha características muito definidas. Já Al, ao contrário de Sid, atua mais como o motivo pelo qual a história acontece do que um antagonista per si, papel exercido por outro personagem.

Quanto à trupe original, Slinky, Porquinho e o dinossauro Rex ganham seus devidos espaços, com destaque para este último, viciado em um videogame que mostra o embate entre Buzz Lightyear e o vilão Zurg e se vê obrigado a “usar a cabeça” em uma determinada cena. Aliás, o boneco do imperador maligno tem uma participação toda espacial que deixará os fãs de uma certa hexalogia espacial chorando de rir.

As homenagens a obras cinematográficas continuam nesta continuação, com menções que vão desde “2001 – Uma Odisséia no Espaço” a “O Exorcista”. As criativas cenas de ação também são um destaque, sempre se aproveitando da escala diminuta dos protagonistas do filme para gerar situações de perigo divertidas.

Tecnicamente, “Toy Story 2 ” é bem superior ao longa original. A animação é mais fluida e os personagens são mais bem detalhados e as cenas de ação bem mais ousadas, mostrando o quanto a tecnologia evoluiu desde o primeiro filme. Passados mais de uma década desde seu lançamento, o filme continua visualmente muito bonito de se ver, embora não chegue muito perto do que a Pixar vem realizando nos últimos anos.

Enquanto a trilha sonora continua bastante empolgante, Randy Newman não teve muito o que fazer em matéria de canções. Apesar de algumas novas músicas surgirem, como o tema do “Rodeio do Woody“, a que mais aparece é aquela que funciona como pano de fundo para a história de Jesse, mas que passa longe do encanto dos temas do primeiro filme. Aliás, quando surge a velha e boa “Amigo Estou Aqui”, em um arranjo de big band, é para matar qualquer fã do coração de alegria.

A dublagem nacional está irrepreensível. Substituindo o falecido Alexandre Lippiani como a voz de Woody, Marco Ribeiro faz um trabalho excelente como a nova voz de Woody, com o público mal notando a mudança de dubladores, mantendo as características e a animação do personagem. Guilherme Briggs volta a dar um show como o canastrão boa-praça Buzz Lightyear, principalmente nas cenas em que o heróico brinquedo tem de contracenar com outra versão dele mesmo.

É uma pena que o Antônio Patiño, dublador do Sr. Cabeça de Batata no primeiro filme, não tenha reprisado o papel nesta continuação. Nada contra Alfredo Martins, ótimo profissional que assumiu o papel, mas Patiño possuía um tom de voz específico que casou muito bem com o personagem. Enfim, coisas da vida.

Ainda que conte com uma trilha menos memorável que a de seu antecessor e com uma coadjuvante que beira os limites do insuportável, “Toy Story 2″ não só faz jus ao filme original como alcança o seu objetivo de dar à franquia uma evolução merecida, não só do ponto de vista técnico como do narrativo. Recomendado!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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