Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de fevereiro de 2010

Percy Jackson e o Ladrão de Raios

Chris Columbus compromete – outra vez – o potencial de uma cinessérie de aventuras fantásticas.

Percy Jackson e o Ladrão de RaiosO espectador que acompanha atentamente a cinessérie “Harry Potter” deve ter sentido a mudança de rumo nos filmes baseados no personagem de J.K.Rowling quando Chris Columbus, diretor dos dois primeiros, foi substituído por um inspirado e criativo Alfonso Cuarón. Diante do aspecto burocrático dos capítulos iniciais da série, “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” (2004) surpreendeu pelo ritmo ágil e pela condução autoral de Cuarón, e possibilitou a continuidade da vigorosa franquia do bruxinho nos cinemas. Os produtores de Hollywood parecem não ter aprendido a lição e entregaram “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”, baseado no livro que introduz o universo criado por Rick Riordan, justamente nas mãos de… Chris Columbus! Guardados os exageros da comparação, seria o mesmo que confiar em Joel Schumacher para retomar os filmes do Batman.

Este é um filme direto ao ponto. Poucos minutos depois da sequência de abertura, que revela a incrível habilidade do personagem-título com a água, o espectador é recebido com explosões, perseguições e um desfile interminável de criaturas bizarras saídas do imaginário da mitologia grega. A atmosfera pretensiosa do longa, acompanhada de uma trilha sonora excessivamente pomposa, não dá margens para uma identificação maior com os tipos que habitam aquele universo peculiar. Ao longo do filme, muitos personagens continuarão ausentes, diante da falta de habilidade do diretor em trabalhar com diversas personalidades simultaneamente.

Na trama, o garoto Percy Jackson se vê no centro de uma iminente guerra entre os deuses do Olimpo. Colegial de Nova York entediado com a rotina adolescente e preocupado com as atitudes grosseiras do padrasto, ele descobre ser um semideus, fruto de um affair entre sua mãe humana e Poseidon, deus dos mares. Diante da ameaça de uma disputa entre seu pai e seu tio Zeus, que pode culminar no fim do mundo, Percy vai para um centro de treinamento de semideuses. Ao perceber suas habilidades fantásticas, o garoto se dispõe a resgatar o raio que Zeus acredita ter sido roubado por ele – engano que motivou o clima de inquietação e crise no mundo dos deuses.

No périplo pelos Estados Unidos, Percy Jackson tem a companhia do sátiro (híbrido de homem e bode) Grover e da semideusa Annabeth, filha de Atena. O trio sai em busca de artefatos preciosos que poderão levá-los a uma solução para o problema que acomete o Olimpo e que pode acarretar também prejuízos para o mundo dos humanos. Pelo caminho, os personagens enfrentam mitos perigosos, como a Medusa (Uma Thurman, em caracterização exagerada) e Hades, o temido deus dos mortos.

Aos poucos, as escolhas de Chris Columbus começam a incomodar o espectador mais atento e a interferir no desenvolvimento da história. Por diversas vezes, o cineasta se esquece de que, para fazer sentido, a fantasia deve estar calcada na verossimilhança. A morte da mãe de Percy Jackson, por exemplo, passa batida para o garoto. O assunto é totalmente negligenciado por Columbus e o protagonista age de maneira displicente em relação à tragédia. O tour por diversas cidades norte-americanas também parece falso. O diretor busca soluções apressadas e acaba por comprometer qualquer possibilidade de veracidade em sua história.

A grandeza das aventuras imaginadas por Riordan é incontestável. O visual bonito do filme confirma todo o potencial desperdiçado nos equívocos defendidos por Columbus. Mas o elenco apático e os acontecimentos filmados de forma leviana não conseguem justificar todo o investimento em efeitos especiais e campanhas de divulgação. Mesmo os conflitos interessantes aparecem timidamente e são pouco explorados. O ego grandiloquente e o convencimento que tomam conta de Percy Jackson após a primeira batalha, por exemplo, não chegam sequer a esboçar uma possível relação do garoto com o “lado negro” da fama e do poder.

Quando o diretor tenta casar mitologia grega com cultura pop, o fiasco se torna ainda mais evidente. A cena de adolescentes voando por aí em tênis Converse alados ficou absolutamente patética da maneira como foi vislumbrada pelo diretor. Da mesma forma, todos os fãs de Lady Gaga devem ter chiado ao se depararem com o uso constrangedor de “Poker Face” na trilha sonora. Isso sem contar o apelo sexual desnecessário para um filme dessa categoria.

Se alguma coisa pode ser louvada em “Percy Jackson e o Ladrão de Raios” é a descontração do personagem Grover (Brandon T. Jackson), que remete aos amigos “malas” que eram presença obrigatória nos filmes de aventura dos anos 1980. Percy e Annabeth, que completam o trio central, estão muito distantes do carisma de Grover, e não têm chance se comparados a Harry Potter, Rony e Hermione, da cinessérie concorrente.

O que sobra da galeria de tipos também não agrada, ainda que muitos personagens sejam interpretados por nomes conhecidos do cinema hollywoodiano, como Sean Bean, Pierce Brosnan e Catherine Keener. Talvez seja mais cauteloso tratar este primeiro filme como ensaio para continuações mais empolgantes – caso o treinador seja substituído a tempo. Se você não quer correr o risco de esperar, pode ir se preparando para o lançamento de “Fúria de Titãs”.

Túlio Moreira
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